segunda-feira, 14 de março de 2016

a mulher selvagem

"A arte é importante porque ela celebra as estações da alma, ou algum acontecimento trágico ou especial na trajetória da alma. A arte não é só para o indivíduo; não é só um marco da compreensão do próprio indivíduo. Ela é também um mapa para aqueles que virão depois de nós."
Clarisse  Pinkola Estés - Mulheres que correm com os lobos. Pág. 29
Escrever é uma das minhas formas de arte, é o meu marco da auto-compreensão. O mais complexo, pois traduzir sentimentos em palavras nunca foi tarefa fácil para mim. Mas é necessária.

Hoje comecei a ler este livro. Havia dado ele para minha mãe em 2001. Um amigo me falou dele no começo deste ano. E mês passado o livro chegou até mim numa caixa de livros para libertar no book crossing. Chegou a hora, pensei. Mas ainda não. Levou um tempinho. O tempo de me cansar das coisas como elas estão e partir de novo em busca. Até fiz um paralelo com as colchonilhas que estão na minha flor.
Eu vinha ao longo do tempo tirando as colchonilhas quase todos os dias. Pegava uma por uma e tirava da flor. Já tem mais de uma semana que não faço isso e minha flor está sentida. Colchonilhas são devastadoras!  O mais fácil seria eu deixar pra lá e depois arrumar outra flor. Mas pensei em situações da minha vida em que senti as minúsculas colchonilhas atacando e não fiz nada. E pensei no que aconteceu depois. Então hoje decidi que começaria a ler o livro.

 Ainda estou no primeiro capítulo, mas a mulher selvagem já me dominou. Já me identifiquei. Já entendi parte da minha busca.
"O arquétipo da Mulher Selvagem envolve o ser alfa matrilinear. Há ocasiões em que vivenciamos sua presença, mesmo que transitoriamente, e ficamos loucas de vontade de continuar. Para algumas mulheres, essa revitalizante "prova da natureza" ocorre durante a gravidez, durante a amamentação, durante o milagre das mudanças que surgem à medida que se educa um filho, durante os cuidados que dispensamos a um relacionamento amoroso, os mesmos que dispensaríamos a um jardim muito querido. " Pág. 19 e 20. 
Sincronicidade.
Não sou atípica, não sou maluca. Sou uma mulher selvagem.
Demorou para perceber. Era tão óbvio. Na verdade, percebi na hora certa. Na hora que estou preparada emocionalmente para acolher, entender, e viver com essa mulher selvagem que existe em mim.
Porque até agora, eu a sentia, mas não a reconhecia.
"Quando são cortados os vínculos de uma mulher com sua fonte de origem, ela fica esterelizada, e seus instintos e ciclos naturais são perdidos, em virtude de uma subordinação à cultura, ao intelecto, ou ao ego - dela própria ou de outros." Pág. 23
Já me senti esterelizada, completamente perdida de mim. Sentia a minha incapacidade de me encaixar no padrão, de ser submissa. Eu questiono, ou como me ajuda nessa tradução, Florbela Espanca:
“O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma … que tem saudade…sei lá de quê!” Florbela Espanca 
Mas nem sempre me aceitei assim. Era tanta subjetividade que nunca dei conta de mim completamente. Alguns anos de terapia e as coisas ficaram mais "fáceis".  Mas ao mesmo tempo é fácil se perder de si.
"Uma mulher saudável assemelha-se muito a um lobo; robusta, plena, com grande força vital, que dá a vida, que tem consciência do seu território, engenhosa, leal, que gosta de perambular, Entretanto, a separação da natureza selvagem faz com que a personalidade da mulher se torne mesquinha, parca, fantasmagórica, espectral. Não fomos feitas para ser franzinas, de cabelos frágeis, incapazes de saltar, de perseguir, de parir, de criar uma vida. Quando as vidas das mulheres estão em estase, tédio, já está na hora de a mulher selvática aflorar. Chegou a hora da função criadora da psique fertilizar a aridez. " Pág. 26
Já me senti separada da minha natureza selvagem. E hoje consigo perceber que foi a mulher selvagem que me resgatou. Me trouxe novamente a vida, me lembrou do quanto gosto de perambular. Me mostrou que me sentir incapaz de parir era uma parte do processo. E que é preciso ter fé, pois quando chega a hora certa, a mulher selvática aflora. Porque não dá para esconder nossa essência para sempre.
Isso é um processo extramente individual. Mas só foi possível para mim pelos pais selvagens que tenho. Não tenho só uma mãe-mulher selvagem. Tenho também um pai-homem selvagem. Esse exemplo de união selvagem, tão profunda e significativa, que me moldou desde o princípio. Como não sentir gratidão diante dessa experiência sagrada?
Mas para atingir a plenitude, é preciso antes curar-se. Hoje é a mulher selvagem que me promete essa cura.
Que eu possa apreendê-la, interiorizá-la, essa será minha prece.
"Cada uma de nós recebe uma célula refulgente que contém todos os instintos e conhecimentos necessários para nossa vida." Pág. 27
 Que todas as pessoas possam identificar essa célula sagrada!
 
 

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