sábado, 2 de julho de 2016

a mulher braba


E tudo com a nossa permissão.
O caos é oportunidade de nos aprofundarmos no caminho. Sem o caos há acomodação, natural na nossa humanidade.
Eu, no meio do meu caos, encontrei alguns lampejos. A Clarissa me devolveu. O livro: Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola Estes deveria ser leitura obrigatória, para homens e mulheres.
Através dos mitos e da sua escrita poética e profunda, vieram os vagalumes da compreensão.
Nem sempre é suave.


Mas é real, é verdadeiro, fica confiscado, fica apreendido. Ninguém tira.
Não é suave porque dói reconhecer a nossa sombra. Dói olhar para aquilo que não queremos. É torturante reconhecer nossas fraquezas, se sentir sufocada por elas. Reconhecer nossos erros e as coisas que perdemos por conta de atitudes inconscientes é dilacerante.
Com os mitos e a Clarissa já pude entrar em contato com duas "personagens" bastante significativas na minha história. O "Barba Azul" e a "Mulher Braba". 
"A mulher braba é aquela que um dia viveu num estado psíquico natural — ou seja, em perfeito estado mental selvagem — e que depois se tornou cativa de alguma reviravolta dos acontecimentos, passando, assim, a ser excessivamente domesticada e amortecida nos seus instintos próprios. Quando essa mulher tem a oportunidade de voltar à sua natureza selvagem original, quase sempre ela é vítima de todos os tipos de armadilhas e venenos. Como seus ciclos e seus sistemas de proteção foram manipulados, ela corre riscos naquele que costumava ser seu estado selvagem natural. Já não mais alerta e desconfiada, ela se torna presa fácil."
"Se você alguma vez foi capturada, se você alguma vez sofreu de hambre del alma, uma fome da alma, se você alguma vez se sentiu num alçapão e especialmente se você tem uma compulsão a criar, é bem provável que você tenha sido ou seja uma mulher braba. A mulher braba tem em geral uma fome extrema por algo profundo e, muitas vezes, pode ingerir qualquer veneno disfarçado na ponta de uma flecha, na crença de que ele é aquilo pelo qual sua alma anseia." 
Fome extrema por algo profundo.
Sim, essa sou eu.
E como me tornei uma mulher braba? Ainda não sei exatamente. Mas sempre senti dificuldade de ouvir meus instintos, meu coração, minha voz interior. Clarissa indica pistas, caminhos. Estou percorrendo alguns para ter uma compreensão mais ampla.
"A vida sombria ocorre quando escritoras, pintoras, bailarinas, mães, cientistas, místicas, estudantes ou artífices param de escrever, de pintar, de dançar, de cuidar dos filhos, de pesquisar, observar, aprender, praticar. Elas podem parar porque aquilo a que dedicaram tanto tempo não saiu como esperavam, não obteve o reconhecimento merecido ou por inúmeras outras razões. Quando quem cria pára pelo motivo que seja, a energia que chega naturalmente a ela é desviada para o mundo oculto, a partir do qual ela vem à tona quando e onde consegue." 
Quando e onde consegue. Ou numa metáfora que Debbie Ford no livro e documentário "O Efeito Sombra" usou muito bem: sabe quando tentamos manter bolas dentro da água em uma piscina? Com uma bola é fácil, duas, três... mas as bolas (nossas sombras) aumentam ao longo da vida, e fica difícil mantê-las todas dentro d´agua. E de repente, quando menos esperamos, elas sobem, bem na nossa cara. E a gente olha e se lamenta: Mas não era isso que eu queria!
"Quando a mulher começa a arrumar a sua vida para que caiba inteira num pequeno embrulho bem-feito, tudo o que consegue é forçar toda a sua energia vital para o lado da sombra. "É, estou bem", diz essa mulher. Olhamos para ela do outro lado do quarto ou no espelho. Sabemos que não está bem. Um dia, de repente, alguém nos diz que ela se juntou com um tocador de flautim e fugiu para Tippicanoe para tomar conta de um cassino. Ficamos nos perguntando o que aconteceu porque sabemos que ela detesta flautins e sempre quis ir morar nas ilhas gregas, não em Tippicanoe, e nunca chegou a mencionar uma palavra sequer a respeito de cassinos." 
O mito que representa a mulher braba é o dos Sapatinhos Vermelhos. Envolve inúmeras nuances da psique. Não é uma história que termina bem. Na verdade, é a mais atemorizante que li até agora. Por isso, digo como Matilde Campilho: Escute só, isto é muito sério. Ande, escute que isto é sério...  
"Quando estamos obcecadas pelos sapatinhos vermelhos, todo tipo de fato importante do ponto de vista cultural, pessoal ou ambiental é deixado de lado."
"Quando os instintos estão feridos, os seres humanos trivializam uma agressão após a outra, atos de injustiça e destruição que afeiam a elas mesmas, à sua prole, aos seres amados, à sua terra e até mesmo aos seus deuses."
Existem muitas mulheres brabas por aí, famosas e brilhantes. Quando Clarissa mencionou Janis Joplin tudo ficou mais claro. Na adolescência sentia uma atração inexplicável por essa cantora. Agora vejo que era na verdade uma identificação. Me via nela. Claro, ela era uma mulher braba!
"Não foi a música, o canto nem a vida criativa finalmente liberada de Janis Joplin que a mataram. Foi a falta de instinto para reconhecer as armadilhas, para saber quando basta, para criar limites para a defesa da saúde e do bem-estar, para entender que os excessos quebram alguns ossinhos psíquicos, depois outros maiores, até que finalmente todo o esqueleto de sustentação da psique cai por terra e a pessoa vira uma massa amorfa em vez de uma força poderosa."
E porque escrevo tudo isso?
Por causa da voz da mulher selvagem que anseia em ser ouvida.
"Só esse anseio, esse desejo já faz a pessoa prosseguir. Ele faz com que a mulher continue a procurar. E, se não consegue encontrar a cultura que a estimule, geralmente ela resolve criar, ela mesma, essa cultura. Isso é bom, pois, se ela a criar, outras que vinham procurando há muito tempo chegarão misteriosamente um dia, proclamando com entusiasmo o fato de estarem procurando por ela o tempo todo."

Por fim, o alento:

"Portanto, a mulher que perdeu o controle pela dança, que perdeu seu equilíbrio e seus pés e compreende esse estado de privação no final da história, tem um conhecimento especial e valioso. Ela é como um saguaro, um belo cacto gigante que sobrevive no deserto. Esses cactos podem ser perfurados por muitos tiros, podem ser entalhados, derrubados, pisoteados e ainda assim sobrevivem, ainda assim armazenam a água que dá vida, ainda assim crescem loucamente e se recuperam com o tempo. 
Apesar de os contos de fadas acabarem ao final de dez páginas, nossas vidas não acabam junto. Nós somos coleções de muitos volumes. Na nossa vida, mesmo que um episódio represente um desastre total, sempre há um outro episódio à nossa espera e depois mais outro. Há sempre outras oportunidades para acertar, para moldar nossa vida do jeito que merecemos que ela seja. Não percam tempo amaldiçoando alguma derrota. O fracasso é um mestre mais eficaz do que o sucesso. Ouçam, aprendam, insistam. É isso o que estamos fazendo com essa história. Estamos ouvindo sua mensagem antiqüíssima. Estamos aprendendo lições sobre modelos deteriorantes para podermos prosseguir com a força de quem sabe pressentir as armadilhas, arapucas e iscas antes de nos defrontarmos com elas ou de com elas nos envolvermos. "

Para fazer download do livro, clique aqui.


Um comentário:

Laila Pena disse...

Adorei ler o que você escreveu. Minha história com esse livro é especial como a sua. Me recuperei de um transtorno alimentar lendo esse livro, guiado pela ajuda da minha terapeuta na época. Sou uma estudiosa dessa obra tão sublime de Clarissa, um lugar onde eu posso mergulhar na dor e também sair com a minha luz interna. Hoje trabalho usando esse livro como ferramenta pra ajudar outros mulheres nesse caminho. Adorei sua publicação, Muito obrigada