segunda-feira, 4 de agosto de 2008

o reencontro



Sabe aquela semana que fica gravada na memória?
Pelo barulho das risadas ao fundo, pelos sorrisos apreendidos, os olhares atenciosos, as perguntas que demonstram o interesse pelo significado que as coisas têm para você.
A descontração no ar. Entrando e circulando pelos pulmões, sôfrego pelo ar extinguido pelas gargalhadas contínuas.
A malandragem me faz rir. Me lembra o jeito leve de levar a vida, de caminhar. Acho que reconheço um malandro pelo andar, pelo tom de voz, pelo jeito de lidar com as coisas.

A bondade me enternece. O sorriso de uma pessoa boa brilha! Não tem como não ficar apreendido.

O melhor de tudo, é perceber que tudo isso acontece, graças à nossa disponibilidade, à nossa abertura. A espontaneidade e a gratuidade, já recomendada pelo poeta Fabricio Carpinejar. Um sorriso ao iniciar a conversa, a pausa para o café/socialização. Oferecer carona para quem mora perto. A humildade de baixar a guarda e tentar não se importar com os julgamentos alheios, ao se expor em uma conversa. Perceber que tudo isso acontece no dia a dia, na correria da rotina.

A vida aparentava ser mais segura antes disso. Mas era preta, branca e cinza... justamente o cinza que me incomodava numa antiga casa.
Me encontrei comigo novamente. Um eu que já tinha existido, mas que tinha desaparecido.
Perceber que esse eu ainda existe é como reencontrar um bom amigo num dia ensolarado e colorido no parque, e perceber que algumas coisas sempre estarão numa gaveta especial da nossa memória.

Imagens: http://www.allposters.com/

segunda-feira, 7 de julho de 2008

voyeur


Começo me justificando.
Não falo do voyeurismo literal. Falo da arte latente, mania, necessidade de se observar pessoas.
As reações, a alteração da respiração, os pés inquietos, o olhar perdido, as bochechas coradas.
O show e a dor, a identificação, o sentir pelo outro. Apoiar inconscientemente, a coragem e a ilusão de si próprio.
O sorriso perdido na multidão, a humildade da presença. A fé. A hiperatividade e a atitude. Firme, impulsiva, doce, meiga. Opostos.
O bom humor, os detalhes.
O piscar de olhos quando o tempo resolve dar uma trégua e correr mais devagar, por mais contraditório que isso possa parecer.
O caminhar, calmo, compassado, apressado, a corrida.
A pausa para o pensamento, o articular de palavras movendo a engrenagem da imaginação.
A criatividade e a admiração estampados na aura, na penumbra da existência, transbordando, borbulhando fervorosamente.
O cuidado percebido pelo sorriso do outro e a satisfação do bem feitor. A bondade que transparece o bom coração. O amor.
A rotina dos outros e a observação da nossa. O aconchego da segurança e a emoção do inesperado e indefinível, a surpresa inerente da descoberta da simplicidade.
O sentimento de posse, de algo sublime, único, que não vem de fora. A apreensão do que escapa e sempre vai escapar. O tempo em que percebemos tudo isso, as situações, o piscar de olhos, a fluidez, o agora.


arte: http://www.smallstudioproductions.com

segunda-feira, 26 de maio de 2008

lugares não legais


É engraçado. Agora.
Perceber como o lugar onde a gente mora é importante.
Dias atrás o trecho da música do Renato Russo não me saía da cabeça: "já morei em tanta casa que nem me lembro mais...". Mas eu ainda lembro. Principalmente dos lugares legais.
Ultimamente não ando tendo muita sorte com isso. Surpresas desagradáveis, a cor cinza do lugar incomoda, tic-tac de relógios, e por aí vai...
Lugares não legais têm, na sua aura, um mal estar. Ou pelo menos, provocam.
Então começo a procurar de onde vem o mal estar. Primeiro acho que é uma fase. Logo passa. Depois começo a achar que tem alguma coisa errada comigo, e ser introspectiva é natural, como o ar esfumaçado de Piracicaba. Então vem uma viagem, ahh!! Maravilha. Mas depois tem a volta... ao que eu chamaria de mundo real.
Novamente, ao lugar onde a gente mora. Ele tem que ser legal!
E como dizem as músicas...

"Janelas e portas vão se abrir
Pra ver você chegar
E ao se sentir em casa
Sorrindo vai chorar
(...)
As luzes e o colorido
Que você vê agora
Nas ruas por onde anda
Na casa onde mora

Você olha tudo e nada
Lhe faz ficar contente
Você só deseja agora
Voltar pra sua gente..."

sábado, 26 de abril de 2008

sem título


Ultimamente, tenho apreendido a solidão.
Os amigos e a família estão distantes, e os referenciais desapareceram.
Mas não é aquela solidão triste, é solidão, e só. Estar sozinha.
Períodos como esse são construtivos, para reflexão.
Poderia dizer também, apelando para o clichê, que serve para aprendermos a dar valor as coisas. Não que esse não seja um ponto importante. Mas é clichê né?
É bom também para definirmos prioridades. Do tipo, cansei de ficar vagando por aí, quero parar em algum lugar. Ou, cansei de tudo, quero ser uma nuvem, voltar a ser criança, não quero mais preocupações. Leve a vida leve.
Simples assim, apreendido.

sábado, 5 de abril de 2008

"há sempre um copo de mar para um homem navegar"

Descobri Jorge de Lima...
O Leandro me apresentou, ontem peguei uma seleção de poesias, feita por José Fernando Carneiro (Apresentação de Jorge de Lima), para ler.
Selecionei um fragmento de uma poesia que gostei.

De: Invencção de Orfeu - Jorge de Lima
II

A ilha ninguém achou
porque todos a sabíamos.
Mesmo nos olhos havia
Uma clara geografia.

Mesmo nesse fim de mar
qualquer ilha se encontrava,
mesmo sem mar e sem fim,
mesmo sem terra e sem mim

Mesmo sem naus e sem rumos,
mesmo sem vagas e areias,
há sempre um copo de mar
para um homem navegar.

Nem achada e nem não vista
nem descrita e nem viagem,
há aventuras de partidas
porém nunca acontecidas.

Chegados nunca chegamos
eu e a ilha movediça.
Móvel terra, céu incerto,
mundo jamais descoberto.

Indícios de canibais,
sinais do céu e sargaços,
aqui um mundo escondido
geme num búzio perdido.

Rosa de ventos na testa,
maré rasa, aljôfre, pérolas,
domingos de pascoelas.
E esse veleiro sem velas!

Afinal: ilha de praias.
Quereis outros achamentos
além dessas ventanias
tão tristes, tão alegrias?

a estrofe: "há sempre um copo de mar para um homem navegar", me trás um tipo de alívio.
Uma espécie de garantia, de que as coisas são infinitas o suficiente, para que possamos conhecê-las.
O que não é infinito entretanto, é a nossa capacidade de se agarrar a isso, de admirar as entrelinhas, de sentir a dor e angústia, e depois a alegria e a fé, na vida.
É preciso dispender muita energia para sair da inércia, bem como para manter as coisas organizadas... leis da física e da biologia.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

"a coisa me escapa entre os dedos"

Fui ao shopping ontem. Imprimir fotos do que passou, confiscar um momento. Procurei pela revista Piauí. Não encontrei.
Fui à locadora hoje. Terminar a saga de envelhecimento do Al Pacino (trilogia do Poderoso Chefão). Lá tinha a revista, de março. Comprei.
Saí da locadora e olhei para a capa. Um dos tópicos era: Aquilo que escapa entre os dedos.
Ainda não tenho um nome para essa sensação, mas a primeira coisa que me veio em mente foi: sincronicidade.
"Tenho pretensões artísticas, ainda que uma profunda insegurança dificulte uma adesão irrestrita a essa atividade. Penso que haja nisso mais que razões psicológicas. Me concentro, procuro encontrar instrumentos que clareiem a mente. Em vão." Rodrigo Naves, o autor da matéria, do texto, da ficção: A coisa me escapa entre os dedos.
O texto é lindo, e a sensação que ele traz também.
No mais simples dos pensamentos, penso: era isso que eu queria escrever!
"Faço da mecânica dos fluidos o escorregador de minh'alma."
"E então, obter da água cristalina o que desesperados e suicidas pedem ao escuro da noite: um espaço que os dissolva, uma atmosfera que lhes alivie o peso e a identidade."
Falar do simples subjetivo, das cores, dar nome as sensações.
Um dia, serão confiscados, e registrados na universalidade da escrita.
Pintura: Almond Branches in Bloom - Vincent van Gogh

segunda-feira, 31 de março de 2008

Confiscando

Confiscar: do latim, confiscare.
Segundo o wikcionário: Tomar bens do particular pela força ou autoridade, sem que seja oferecida ao prejudicado qualquer contraprestação em troca.

Não tenho a intenção de prejudicar ninguém.
Mas a idéia de resolver escrever veio de uma conversa com uma amiga, a Monique. Ela me dizia que queria ter um marcador de quilometragem nela, para que pudesse saber quanto já andou nesse mundão afora. Fiquei pensando no assunto, e como estou prestes a ficar "sem teto" até o fim do ano, numa espécie de vida cigana, e tanta coisa legal acontece que acabamos por esquecer; ou nos lembramos, numa nostálgica mesa de bar, quando acontece aquele reencontro tão sonhado com os amigos; resolvi escrever, para tentar apreender esses momentos bons, e também os não tão bons assim. Quem sabe assim, a pós modernidade dá uma trégua a liquidez dos dias de hoje...