quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

a mulher selvagem

Ontem terminei o livro que me fez entender muito de mim mesma. Que me deu muita confiança sobre o que eu sentia. "Mulheres que correm com os lobos - Mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem" de Clarissa Pinkola Estés. 
O primeiro contato que tive com esse livro foi quando dei um exemplar para minha mãe, no dia das mães. Não fazia ideia da riqueza da obra, apenas tinha achado interessante o título e como minha mãe é psicóloga junguiana, e o livro falava de um arquétipo, achei que poderia ser interessante para seu caminhar.
Eu comecei a ler este livro em 2016. Mas só consegui terminá-lo agora. Me acontece isso com alguns livros que leio. Parece que as vezes preciso dar um tempo na leitura. Por mais que eu esteja adorando o que leio, de repente não sobra mais tempo, esqueço do livro e assim vai indo. Até que por obstinação eu decido que tenho que terminar a leitura e me entrego novamente.

O conto do final, sobre a donzela sem mãos foi particularmente preenchedor. E no último capítulo, ao falar do "Canto Hondo, o Canto Profundo", senti uma espécie de empurrão.

"Tenhamos em mente que não se pode esconder o que há de melhor. A meditação, a instrução, todas as análises de sonhos, todo o conhecimento dos verdes campos divinos não tem nenhum valor se forem guardados para a própria pessoa ou para uma dúzia de escolhidos. Portanto, apareça. Apareça onde quer que esteja. Deixe pegadas fundas porque você pode fazer isso. Seja a velha na cadeira de balanço que embala uma ideia até que ela volte a remoçar. Tenha a coragem e a  paciência da muher na história do urso da meia-lua, que aprende a ver além da ilusão. Não se distraia queimando fósforos e fantasias como a pequena menina dos fósforos.
Não desista até encontrar a família à qual pertence, como o patinho feio. Despolua o rio criativo para que La Llorona encontre o que lhe pertence. Como a donzela sem mãos, deixe que o coração paciente a guie floresta afora. Como La Loba, colha os ossos dos valores perdidos e cante para devolvê-los à vida. Perdoe tantos quanto puder, esqueça um pouco e crie muito. O que você faz hoje influencia suas descendentes no futuro. As filhas das filhas das suas filhas irão provavelmente lembrar-se de você e, o que é mais importante, seguir seu exemplo." 

Sempre me questionei do porque escrever. Era uma necessidade do ego? A intenção era inspirar pessoas que estão passando por situações semelhantes, e como numa corrente virtual, não nos sentirmos tão só. Quantas vezes fui acolhida por textos, histórias, e publicações de pessoas que mal conheço. Nos desertos que algumas vezes atravessamos na vida histórias como essas são pequenas gotas d´água que encontramos pelo caminho, que costumo interpretar como sinais de que estou no caminho que tenho que estar. 
Clarissa foi um mar nesse sentido.

Quando engravidei, no início, acreditei que essa mulher selvagem existia dentro de mim. Mas por inúmeros fatores, eu não consegui encontrá-la. No momento que mais precisei, foi quando me senti mais desamparada. Eu sabia o poder dela, e não consegui me entregar a ela. Foi doloroso, como toda iniciação. Mas hoje, com a consciência um pouco mais ampliada, consigo perceber a importância de tudo.
Graças a essa torturante iniciação, tive acesso aos conhecimentos que tanto busquei em outros tempos. Não, não precisamos passar por momentos dolorosos para encontrarmos o que buscamos. Mas hoje percebo que situações delicadas servem para nos tirar um pouco da inocência nociva.
Hoje o acesso ao conhecimento é muito fácil, e temos a chance de nos inundarmos com alguns deles muito mais rapidamente. Entre prós e contras dessa facilidade, sou grata por isso.
O conhecimento do feminino profundo chegou até mim por inúmeras fontes: todo o material disponibilizado por Sri Prem Baba, blogs, páginas do Facebook, Instagram, livros, e até as Feiras da Maternarum que participei me proporcionaram algumas conexões essenciais. Que bela colcha de retalhos.

Clarissa também me deixou identificar os ciclos de 7 anos em minha vida.
Menstruei aos 14.
Me formei aos 21.
Meu filho nasceu aos 28.
E dos 28 até os 34, foi o período em que percebi algumas ilusões se desfazendo, e algo mais sólido, profundo e consistente surgindo. Hoje, minha submissão e devoção ao caminho são irrevogáveis. Aos 35, um novo ciclo se inicia. E eu que me achava toda desconexa do mundo selvagem, percebo agora que sempre estive ligada a ele, apesar de não conseguir senti-lo. Fica o lembrete, para que alguns detalhes não se percam. Porque o essencial está apreendido. 

"Por isso, se você estiver a um passo de escapar, de assumir riscos - se ousar agir de modo proibido, procure cavar para encontrar os ossos enterrados mais fundo, fazendo frutificar os aspectos naturais e selvagens da mulher, da vida dos homens, das crianças, da terra. Use seu amor além dos seus bons instintos para saber quando rosnar, quando atacar, quando aplicar um golpe violento, quando matar, quando recuar, quando ladrar até a madrugada. Para viver o mais próximo possível da força espiritual selvagem, a mulher precisa sacudir mais a cabeça, ser mais exuberante, ter mais faro na sua intuição, ter mais vida criativa, enfiar mais a mão na massa, ter mais solidão, ter mais companhia de mulheres, levar uma vida mais natural, ter mais fogo, elaborar mais palavras e as ideias. Ela precisa de um maior reconhecimento por parte das suas irmãs, de mais sementes, mais rizomas mais delicadeza com os homens, mais revolução na vizinhança, mais poesia, mais descrição das fábulas e fatos do feminino selvagem. Mais grupos de costura terroristas e mais uivos. Muito mais canto hondo, muito mais canto profundo.
Ela precisa sacudir o pêlo, percorrer as trilhas conhecidas, afirmar seu conhecimento instintivo. Todas nós podemos afirmar pertencer ao antigo clã das cicatrizes, ostentar orgulhosas as marcas do combate do nosso tempo, escrever nossos segredos nas paredes, não aceitar sentir vergonha, abrir o acesso à saída. Não vamos nos desgastar com a raiva. Pelo contrário, vamos extrair forças dela. Acima de tudo, sejamos espertas e usemos nossos talentos femininos."


segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

sobre julgar

Quando as situações se repetem, é um grande sinal de que ainda não aprendemos o que era preciso.

Há pessoas que dizem que é impossível não julgar, vivendo neste mundo. Sempre discordo dos impossíveis, mas reconheço que não é uma tarefa simples. Desde os primórdios temos tentado aprender sobre isso.

"e quem estiver livre do pecado, que atire a primeira pedra"
Mas o que dentro de nós faz com que nos sintamos no direito de julgar alguém?
Ego?
Orgulho?
Falta de autoconhecimento?
Tudo isso e mais um pouco junto?

Uns anos atrás escrevi um texto, eu não me torno, eu não sou. A motivação era outra, o sentido era outro. Mas ultimamente tenho pensado bastante nas primeiras frases do texto:
Eu não me torno uma boa pessoa por conta de todos os vídeos de ações bondosas que assisto.
Eu não me torno uma pessoa caridosa por conta de todas as pessoas caridosas que admiro.
E devo acrescentar: Eu não sou uma pessoa evoluída espiritualmente por conta do caminho que escolhi e das coisas que partilho no facebook.
Ao mesmo tempo, me lembro de um texto do Gustavo Tanaka que li recentemente: O hábito de se defender o tempo todo.
No texto ele aborda sobre a necessidade de se justificar, e do porque isso não é produtivo para quem escolheu um caminho de autoconhecimento.
Aí vem a pergunta: estou me justificando com esse texto?
Não. É só a minha maneira de analisar as questões a fundo, talvez até fundo demais, e de buscar compreensão. Quando tento entender sobre o fenômeno, penso que assim apreendo a essência do problema, e não uma situação isolada apenas. Pelo menos essa é a teoria e a intenção.

Então vamos, do começo:

Significado de Julgar

v.t.d. e v.i.Decidir uma questão na qualidade de juiz ou árbitro: julgar uma ação judicial; sua profissão era julgar.v.reg.mult.Sentenciar; proferir uma sentença, condenando ou absolvendo: julgou o bandido; o juiz julgou-o culpado; o juri julgou os empresários à cadeia; não se julga sem provas.Ter uma opinião sobre; expressar um parecer, um juízo de valor acerca de: julgou o cantor; julgaram do presidente por corrupção; a vida o julgará pelos seus erros; não se pode julgar.v.t.d. e v.t.d.pred.Considerar; tomar uma decisão em relação a: julgaram que era razoável continuar; julgaram horrível o seu texto.v.t.d. e v.pron.Supor; imaginar-se numa determinada situação: julgou que lhe dariam um contrato; julga-se menos esperto do que o irmão.(Etm. do latim: judicare)
Quando julgamos, nos colocamos acima da questão. Acima do erro, acima do sujeito. Como? Porque pensamos que jamais iríamos agir daquela maneira. Porque jamais cometeríamos aquele erro. Porque jamais, em hipótese alguma, o outro poderia ter agido daquela forma (dentro do meu conceito de certo e errado).
Exemplo: aborto.
Eu já julguei pessoas que fizeram aborto. Porque eu penso que não teria coragem de abortar. E isso de certa forma, me deu o direito de achar que poderia falar alguma coisa sobre quem pensa diferente. Mas ao estudar melhor essa questão eu vi pessoas passando por situações que eu nunca havia passado. E ao me colocar no lugar delas percebi que muito provavelmente, teria tomado a mesma decisão. Não dá para imaginar o desespero se não sentimos na pele situações como  fome, maus tratos, falta de perspectiva, falta de abrigo, etc. Então, a arrogância, e o prazer (sim, isso dá prazer, olhe bem), de dizer que ao outro que ele está errado (e consequentemente eu estou certa, e aqui está o prazer) tiveram que aparecer para dizer oi e juntos decidirmos o que fazer.
Psicologicamente, existe um vício, uma necessidade. Me sentir superior, pois não reconheço meu verdadeiro valor, então tenho que julgar o outro, me colocar acima dele (afinal eu estou certa), para então ter uma ilusão de que sou importante. Outra questão é a intolerância e o poder que ela te dá, afinal, a sua opinião é a certa.

Também já li um texto que mostra muito bem que opinião não é argumento.
E uma frase que vi pelo facebook que dizia mais ou menos assim: A sua experiência pessoal não serve para discutir um problema social amplo. Como por exemplo o racismo. Eu não sou negra, nunca fui censurada pelo meu tom de pele. Eu não tenho condições de falar sobre racismo, porque nunca vivi isso na pele. Posso ter ideias sobre o racismo, mas não tenho conhecimento técnico e muito menos vivencial para falar sobre esse assunto.
E é assim com praticamente tudo na vida... Não vivemos as mesmas situações, cada um tem seu repertório emocional, suas tramas psicológicas, espirituais e do ego.

Reflexão iniciada?

Sim. Comecei a escrever este texto em meados de 2016. Hoje é 8 de janeiro de 2018. Ontem assisti um documentário/filme do Netflix sobre pessoas anoréxicas "O mínimo para viver". E fiquei impressionada com a velocidade com que julguei a personagem principal do filme. Lembrei da frase:



E podemos substituir "fala" por "julgo". E isso acaba sendo uma imensa oportunidade de aprendizado quando nos percebemos julgando ou falando de alguém. Aproveitemos, apreendamos essa oportunidade!!