quinta-feira, 25 de julho de 2013

a minha escolha de mãe

Em 1º de janeiro de 2013 eu tomei uma decisão que já queria ter tomado a um certo tempo. Não foi planejada, não foi resolução de ano novo. Foi pura e simplesmente por força das circunstâncias. Triste que tenha sido preciso chegar a isso para eu criar coragem e decidir.

Vamos lá entender o processo:
Quando  o Dudu fez 4 meses eu voltei a trabalhar (sim, estudante de doutorado, ou seja, cientista, também é profissão, embora não completamente reconhecida). Já tinha combinado com a minha mãe e ela ficaria com ele até os 6 meses, quando então ele iria pra creche. Pois é, creche. Eu me arrepiava toda com essa palavra muito antes de engravidar. Mas como decidimos que a gravidez viria durante o doutorado, era a única alternativa dentro das condições que tínhamos.
Eu continuei com a amamentação exclusiva até ele iniciar na creche. Tirava leite e deixava congelado para minha mãe dar para ele nos horários que eu não estava (pela manhã e um pedaço da tarde, já que eu conseguia almoçar em casa e ainda tinha direito a um horário de trabalho reduzido por conta da amamentação).
Então, logo depois de minha mãe ter ido embora, na primeira semana de creche o Dudu já ficou doente. Infecção de garganta (que posteriormente desconfiei ser um diagnóstico errado, mais para frente explico melhor). Sete dias de antibiótico (ATB)+ anti-inflamatório. Já fiquei encanada, puxa vida, uma criança de 6 meses precisa realmente tomar ATB? Não pela necessidade em si, mas pelos motivos que levaram a necessidade. Mas pronto, depois do estresse da primeira doença dele, vieram as vacinas dos 6 meses.
Eu expliquei para a enfermeira que ele havia acabado de terminar o ATB, e perguntei se não era melhor esperar um pouco até ele se recuperar, mas ela disse que não, e eu mais uma vez, confiei no sistema. Três dias depois, febre. Hospital e diagnóstico de uma traqueíte infecciosa. Viral, não precisa tomar ATB. Questiono se isso poderia ter sido a primeira doença e uma médica acredita na minha hipótese, ou seja, é provável que ele não precisaria ter tomado ATB da primeira vez. Questiono se as vacinas podem ter afetado sua imunidade pois ele poderia não estar completamente recuperado quando as tomou. Ela desconversa...
Mais alguns dias passaram, a febre cessou e Dudu volta para a creche. Por uns 15 dias tudo corre tranquilamente, pelo menos no quesito saúde, porque meu coração ficava muito apertado de ter que deixar ele lá e perder preciosos momentos ao seu lado, acompanhando sua introdução a novos alimentos, suas caretinhas, e suas descobertas.
Então um dia ele acorda umas 6 vezes a noite, aos berros, e só sussegava se estava no peito. Dormia um pouco e logo acordava aos berros de novo. E veio a febre por quase dois dias e ligamos para o Saúde24.

Parênteses:
O Saúde24 é um serviço que tem em Portugal em que você liga para um número gratuitamente (808242424) e é atendido por enfermeiros que seguem uma espécie de protocolo, com perguntas pré-determinadas e no final te encaminham para onde for mais conveniente dependendo da gravidade do caso. Se necessário ir até um serviço de emergência, eles avisam a instituição e ao chegar você tem prioridade no atendimento. Eu utilizei muito o Saúde24 e sinto falta dele aqui no Brasil. Me poupou várias saídas desnecessárias.

Me dirigi então ao serviço de emergências do hospital e depois de exames de urina, sangue e uma aspiração no ouvido descobriram que ele tinha uma otite. Resultado da secreção acumulada na traqueíte, pois nenhum médico nos informou que teríamos que aspirar o nariz dele e não deixar acumular secreção. Obrigada médicos, mais uma vez!
A partir daí foi uma cascata de doenças. Outra otite, outra virose, e em 1º de janeiro, após mais de 6 dias de febre, uma médica de verdade descobriu uma pneumonia que já tinha tomado mais da metade do pulmão esquerdo dele.

Soco no estômago, bofetada na cara...

Em dois meses de creche a contabilidade foi essa: ida a 4 pediatras e 1 homeopata, Três tomas de antibiótico (sem contar a da pneumonia),  e devo ter ido às urgências do hospital umas 10 vezes.
Cada vez que eu ia, a explicação dos médicos para as doenças era semelhante: na creche é assim mesmo. Pelo menos não falavam que era até adquirir imunidade, como dizem a maioria das pessoas, já que não é enfiando uma criança num "infectário/infantário" que ela vai "adquirir imunidade". É através de alimentação saudável, do engatinhar no chão, do brincar na terra, do comer com a mão, etc. A criança desenvolve seu organismo (e consequentemente a imunidade) com o passar dos dias, assim como desenvolve a fala, a coordenação motora, etc. Eu pelo menos não vi até agora nenhum artigo científico recomendando deixar as crianças na creche como forma de estimular sua imunidade. Tenho visto é o contrário: "Criação moderna" prejudica desenvolvimento do cérebro das crianças.

Cada vez que eu ia com o Dudu para o hospital, enquanto esperava, com ele no colo, queimando de febre, ou chorando de dor, eu sempre pensava: vale a pena mesmo eu trabalhar para isso? O que estou ganhando? Quanto vale meu trabalho? O que é mais importante? E a resposta para essa última pergunta era sempre a mesma: o meu filho.

Assim, quando o Júnior veio me falar o resultado do raio-X, eu, que até agora tinha sido forte e tentado encarar as coisas como "faz parte", mudei de rumo e pedi para o Júnior se poderíamos não deixar mais ele na creche.
Não tem coisa no mundo que faça valer a pena ver um filho doente por conta de uma situação que você própria está causando e tem a possibilidade de fazer diferente, pois sei que para muitas mães, essa é a única solução e não tem escapatória.

Então eu conversei com minha orientadora, expliquei a situação e ela foi muito compreensiva e entendeu o meu lado. Trabalhei até o final de janeiro, o Dudu ficou em casa por uns dias com uma babá e o resto eu ficava com ele e trabalhava nos intervalos de sono e noite adentro num artigo para publicação.

Meu coração de mãe se aliviou e cada dia que passa me fortaleço nessa escolha. Mesmo que na época muita gente não concordava com a minha decisão. Mais uma vez, eu escolhi nadar contra a correnteza.
Não só pelas doenças, mas por saber que esse é o melhor para ele em todos os sentidos!
Porque na minha cabeça, não entra a coisa da sociedade de que mulher independente é aquela que deixa o filho na creche e vai trabalhar. Para mim, mulher realmente independente é aquela que pode fazer escolhas, não importa quais sejam, pois não temos o direito de julgar ninguém.
Na minha busca infinita por conhecimento, acabei me deparando com dois textos que me identifiquei muito, e acho que estou me tornando uma feminista. Uma das frases que mais gostei foi essa:
"Não me conformo com uma sociedade que aplaude quando você abdica da sua vida para entregar aquele projeto e ser promovida e torce o nariz quando você abdica de certos privilégios para criar o ser humano que colocou no mundo. "
Desse blog aqui.

E desse blog, fui remetida a este outro, que me identifiquei ainda mais:
"Até que chegaram os filhos e eu tive um novo mundo revelado para mim. E entendi que para muitas pessoas o sucesso é um conceito multifatorial, mesmo quando aplicado dentro do universo "carreira". E que no meu caso, para o tipo de ingredientes que compõe a complexa receita de pão cascudo que eu sou, sucesso jamais estaria em usar meu tempo longe da minha família para gerar dinheiro ou satisfação pessoal."
"Meu jeito de lidar com maternidade e "profissão" (já tendo desistido de achar que existe o príncipe encantado das carreiras esperando por mim) foi promover desconstruções das coisas que eu tinha como certas e resgatar possibilidades perdidas."
E assim, percebi que também não irei encontrar o "príncipe encantado das carreiras",  porque meu coração pertence a outra coisa. Coisa essa que tem muito de conhecido, mas que ainda tem muito por conhecer!

É isso que eu venho tentando segurar ultimamente. O assumir que eu não sou carreirista, meu sonho não é nadar em dinheiro. Minha contribuição para o mundo será na criação do meu filho, será no dia a dia, ao ensiná-lo o pouco que sei sobre o amor, sobre Deus, sobre ser bom e justo. Sobre valorizar suas conquistas e aprender a lidar com as perdas. Sobre ser cidadão e respeitar o próximo. Sobre fazer o bem, sem olhar a quem, sobre respeitar os animais, se alimentar de forma saudável, pois o corpo é a morada do espírito, e os dois precisam ser cuidados. Sobre desenvolver sua autonomia e contribuir positivamente para a sociedade que ele está inserido. Sobre lutar por seus direitos e suas crenças (no que ele quiser acreditar), sem deixar que outros tentem enfraquecer seu coração e seus ideais. Porque eu acho que é disso que o mundo precisa. E não de mais um ser humano que aprendeu logo cedo o que é separação, o que é se sentir abandonado, o que é ser privado de contato, carinho e amor materno.
Porque para mim, não tem dinheiro no mundo que me faria trocar essa oportunidade, de poder criar meu filho de acordo com o que acredito e também aprender com ele.

Por favor, não sejam radicais ao me interpretarem. Não quero entrar na discussão da criação e do dinheiro agora, só acho que seja preciso que cada um descubra o que é mais importante para si e estabeleça suas prioridades.

É claro que não vou fazer isso para sempre. Quer dizer, um filho é para sempre, mas conforme eles crescem e já tem mais autonomia, nossa presença não será sempre requerida. E aí sim, eu me permitirei dedicar mais tempo ao trabalho, seja ele qual for (boleira, doula, artesã, empresária, professora, cientista, ou o que eu me permitir ser).

Não poderia deixar de mencionar que essa minha escolha só foi possível graças ao apoio do meu querido esposo, o Júnior, que mesmo sem concordar com a minha decisão, me permitiu vivenciá-la. Meu agradecimento eterno! <3

Essa foi a minha escolha de mãe, e esse é o meu chefinho por enquanto :)

O engraçado de tudo foi a sincronicidade. Pois alguns meses depois de desistir do doutorado, apareceu uma proposta de trabalho para o Júnior aqui no Brasil. Viva!


terça-feira, 9 de julho de 2013

o meu relato de parto

O Dudu já tem 1 ano e 2 meses. E só agora me deu vontade de escrever um relato de parto "público", digamos assim.
Já escrevi outras 2 descrições sobre a minha experiência. Uma para a Enfermeira Ofélia Lopes. Ela estava de plantão no dia 30 de abril de 2012 e nos acompanhou no parto. Como eu tinha um plano de parto, ela perguntou se eu e meu esposo poderiamos ajudá-la em sua pesquisa sobre a experiência de termos um plano de parto. Concordamos de imediato e escrevemos algo em torno de 6 páginas para ela, respondendo algumas perguntas que eram o foco de sua pesquisa. Para mim foi muito mais que isso. Foi meu primeiro desabafo.
Depois, perto do aniversário de 1 ano do Dudu eu escrevi o meu "feedback dos serviços prestados" ao hospital Garcia de Orta, em Almada, Portugal, que foi onde meu filho nasceu. Esse, mais que um desabafo, foi uma crítica ácida e amarga ao sistema e à maneira que fui tratada. Não tive dó, contei o que aconteceu, citei nomes, fui irônica, questionei, abri as portas da revolta. E nem assim é possível dimensionar o tamanho da ferida. Não sei se vão ler o que escrevi, pois de novo, lá se foram 6 ou 7 páginas. Mas eu precisava fazer isso, precisava mostrar para eles e para o "sistema" onde estavam os erros e os acertos. É meu dever como cidadã!
Agora, depois de ter algumas coisas mais claras e tranquilas em meu coração. Depois de perder as contas de quantos relatos de parto já li. Depois de perceber que é importante contarmos nossas experiências pois outros podem precisar da nossa informação. Resolvi tornar público a minha experiência de parto.

Inconscientemente, ou nem tanto, meu maior sonho era engravidar e ter filhos. Uma das provas disso é que no meu relatório final de estágio na faculdade, meu primeiro agradecimento foi:
"A Deus, pelo pôr do sol, sorrisos de bebê, pelas folhas dançando com o vento, pelo céu estrelado que me mostravam que eu não estava sozinha em mais essa jornada."
Em 2011, eu e meu esposo conversamos e resolvemos que estava na hora. Em agosto descobri que estava grávida, apenas 1 mês e meio depois de começarmos a tentar. Maravilha!
Nós morávamos em Portugal e eu não conhecia nenhum obstetra de confiança por lá, meus pais estavam no Brasil e eu me sentia bastante insegura com as informações sobre gravidez e parto, ou melhor, pela falta delas. Por isso, depois de convencer meu esposo, decidimos encontrar uma doula para nos acompanhar nesta etapa. Graças a minha colega de trabalho que havia me emprestado o livro do Dr. Ricardo Jones que já comentei aqui, conheci a Associação Doulas de Portugal. Lá tem uma lista de doulas, e com base nas descrições, contato por e-mail, selecionamos algumas para conhecermos pessoalmente e depois finalmente escolhemos a nossa doula, a Ana Raposeira. O processo de escolha levou em conta a empatia que sentíamos, pois consideramos que esse seria o aspecto mais importante para nós naquele momento.
Com a Ana, tivemos mais informações a respeito da situação do evento parto em Portugal e as perspectivas não eram das melhores. Movimento de hospitais e médicos no sentido de humanização - praticamente zero!
A opção que me deixava mais segura, era a do parto domiciliar. Não queria interferências tecnológicas desnecessárias (depois de muito ler sobre medicina baseada em evidências) e para mim essa seria a melhor opção para receber o meu filho, como já falei um pouco aqui.
Mas meu esposo não concordava, e por eu ter um problema na tireóide (tireoidite auto-imune, que não é nada de grave) juntando ao fato de não haver em Portugal obstetras que acompanhem parto domiciliar, minha doula depois de conversar com o Dr. Ricardo Jones, também não recomendou um parto domiciliar. Eu cedi, e começei a me informar sobre maternidades e suas opções.
Eu era acompanhada no Hospital Garcia de Orta, pois era o mais próximo de onde morávamos. E apesar de ter lido alguns relatos de parto neste hospital muito tristes, li outros muito bonitos, e minha cunhada disse que havia sido super bem tratada durante o parto. E havia um inclusive, que dizia ter sido permitido a presença da doula e do esposo. Resolvi então visitar o bloco de partos. Falei por e-mail com a Enf. Chefe Rosalia Marques e agendei a visita.
A enfermeira me recebeu super bem, me mostrou as instalações, respondeu todas as minhas dúvidas e deu seu parecer sobre o meu plano de parto. As restrições seriam quanto a monitorização fetal contínua (o tal CTG) que seria impossível de evitar, mas que havia um "CTG sem fio", que permitiria minha movimentação, e a presença de meu esposo e da doula ao mesmo tempo, apesar de ter afirmado que poderia haver alguma flexibilidade dependendo do movimento do bloco de partos.
A Maternidade Alfredo da Costa era muito bem recomendada para quem buscava partos um pouco mais "humanizados". Mas eu li alguns relatos de pessoas que passaram por lá e me pareceu muito mais marketing do que realidade. Outro porém era a distância de casa e o fato do meu processo estar todo já no Garcia de Orta. Decidi ficar pela margem sul mesmo.
O detalhe foi que eu não entrei em trabalho de parto no tempo normal.
Fiz de tudo, auto indução nos pontos de acupuntura, caminhava quase 1 h todos os dias, na praia inclusive, fiz coisas gostosas, descansei, namorei, fiz faxina, rezei...

Antes de ir para o hospital.
Com 41 semanas + 4 dias fui internada para uma indução. Um dos meus medos tornava-se realidade, mas tentei me manter positiva, sempre rezando muito para que desse tudo certo. Tive que dormir no hospital por causa do "protocolo", passar uma noite péssima devido a conversa e alto e bom tom da enferemeira com um médico sobre bolos e o Benfica, e ser "acordada" as 6 da manhã para o banho e meia hora de CTG.
No dia 30 de abril (41s+5), as 9 da manhã, fizeram o toque (1-2cm de dilatação) e a seguir a indução com aplicação de gel de prostaglandina. Duas horas deitada, mais algum tempo de caminhada e quando o almoço e meu esposo chegaram eu já tinha contrações! Meu filho estava chegando :)
Almocei e vomitei tudo em seguida. Quando tenho dores muito fortes eu vomito mesmo... Meu esposo esteve sempre ao meu lado, me apoiando e segurando a minha mão. Mas o horário de visita já tinha acabado e ele teria que sair, pois eu ainda não estava no bloco de partos e só poderia descer quando estivesse em trabalho de parto ativo, ou seja 4 cm de dilatação.
Eu continuei a caminhada pelo corredor, triste por não ter meu marido por perto, e quando a contração vinha eu me posicionava como me dava vontade e expirava um aaahhhhh, sempre mentalizando meu corpo se abrindo para receber o meu filho. A enferemeira por duas vezes me perguntou se eu iria querer a epidural e eu sempre disse que não (caramba, isso já estava no plano de parto, por que me perguntavam??).
Fui tomar uma ducha quente quando então uma colega do quarto veio me avisar que meu marido estava lá do lado de fora a minha espera e que minha doula já estava chegando.
Depois da ducha tive que ficar mais meia hora deitada para o "CTG de rotina" e isso sim foi horrível. Ficar deitada era muito ruim. Outro toque e a enfermeira assustada por eu ter contrações muito fortes e estar vomitando, resolveu me colocar o soro para hidratar. Pronto, já não podia caminhar tão livremente... Mas logo depois já me mandaram para o bloco de partos, devia ser umas 4 ou 5 da tarde. Tive que ir na maca, deitada, mesmo depois de ter perguntado e insistido que eu poderia ir andando ou no máximo de cadeira de rodas. Estranharam, como se fosse algo no mínimo absurdo, e disseram que não, que teria que ser na maca. E lá fui eu para o bloco de partos achando que estaria melhor por lá. Doce engano.
Lá chegando já me olharam torto por eu ter um plano de parto (no departamento da indução também, a enfermeira chefe até veio conversar sobre meu plano de parto).
E já começaram as intervenções: me amarraram no CTG. " E o CTG sem fio?" "Não precisa menina, esse aqui tb dá pra você andar olha..."  E eu dei 3 passos...
Água quente? Só dentro de uma luva de procedimento. Alimento? Tentei chá, mas como vomitava tudo, desisti. Só chupei umas balinhas que a Ana me trouxe para ter energia. Banho? Não. Esposo e doula juntos? Nem pensar. Trocar o esposo pela doula e vice versa? Não, só se for para ir comer e olha lá, onde já se viu, vai atrapalhar as outras parturientes! Enquanto isso o papo rolava solto, em alta voz, atrás da cortina que separava o quarto do resto do bloco de partos.
O quarto que eu estava era lilás, uma das minhas cores prediletas. E tinha um aparelho de som que uma das enfermeiras colocou música para mim... gostosinho. Tinha uma bola de parto e um adesivo de flor na parede.

Mas eis então que uma nuvem cinza se aproximou e trouxe o médico ao meu quarto!
Uma das coisas que a Enf. Chefe havia me dito era que os médicos eram chamados somente em último caso. Eu mal havia chegado, por que então um médico resolve aparecer?
Ele não se apresentou, mas ouvi que seu nome era Luiz Canelas. Logo já quis fazer um toque e começou com a insistência da epidural. E com isso vi uma platéia, literalmente, na porta do quarto, observando minha negativa da analgesia.

Eu vocalizava durante as contrações. Um aaahhh durante a expiração. Me ajudava muito!
Mas meu marido observou que isso começou a incomodar a equipe. E logo o médico veio novamente dizendo que precisava estourar a bolsa, pois "o CTG não está tranquilizador". Eu estava com 5-6 cm de dilatação disse que não queria e então me questionaram: "Mas vai nascer com a bolsa?" Como se isso fosse alguma coisa ruim... Nisso meu marido saiu e a Ana entrou. Falei para ela o que estava acontecendo e ela foi me fazendo massagem na lombar que me ajudou muito!
O médico entrou novamente, dessa vez com uma residente, dizendo que teria que estourar a bolsa, pois podia ter mecônio no líquido aminiótico e me olhou dizendo: "Você sabe o que é mecônio?"
Não respondi, não valia a pena...
Então quem fez o toque foi a residente. E durante uma contração ela manteve os dedos dentro de mim e a bolsa rompeu. Um líquido claro como água escorreu... e o médico virou as costas sem dizer nada.
Detalhes: O CTG sempre parecia "não tranquilizador" pois em vários momentos quando eu me mexia, pegava a minha pulsação, e não do Dudu. As enfermeiras percebiam isso e ajustavam o CTG ou pediam para eu deitar e ficar quieta um pouco para estabilizar o CTG. Mas o médico, que só olha para a tela, via a bomba relógio e começava a intervir desnecessáriamente. Já é comprovado cientificamente que o CTG em vez de trazer segurança, só aumenta a taxa de intervenções e consequentemente de cesarianas.
Cada vez que o médico entrava era um estardalhaço! Acendia as luzes, falava alto, fazia perguntas enquanto eu estava no meio da contração (e não conseguia responder). Total indelicadeza e falta de bom senso.

Com a bolsa rompida as contrações se tornaram mais intensas e as massagens e o toque da Ana foram muito reconfortantes. Mas eu sentia falta do meu marido comigo. Nisso a Enf. Ofélia chegou. Se apresentou falando baixinho, e foi uma verdadeira profissional do parto. Não interviu, conversou comigo sobre a posição para o expulsivo, e disse que se precisasse de alguma coisa poderiamos contar com ela.
Eu continuava vocalizando e me deixaram em paz e no escuro por um bom tempo... Que bom! Até que começei a sentir algo diferente, parecia que tinha vontade de fazer força. Foi nessa altura também que começei a sentir medo. Medo do expulsivo, medo do meu marido não estar lá comigo. Achei que não iria conseguir. Mas agachar entre as contrações me ajudava muito, e ficar na bola também, que gostoso!
Como eu estava com receio de começar o expulsivo e não ter meu esposo comigo, a Ana saiu e ele entrou.

Um tempo depois o médico apareceu e disse que teria que fazer outro toque. As enfermeiras ainda contestaram sua conduta, pois eu estava indo bem e já sentia uma certa vontade de fazer força. Então, num acesso de megalomania o médico diz: "Quem diz se está na hora de fazer força ou não sou eu".

Pausa: me explica, que tipo de estudo um médico desse tem? Desculpem a ironia, mas não me entra na cabeça que um profissional que deveria cuidar da saúde, tenha uma conduta dessa. Eu acho que sei alguns dos poréns do sistema médico, da formação, etc. Mas mesmo assim, não justifica tanta ignorância.

Continuando, o médico insistiu para fazer o toque e me deitaram na cama. Nisso ele retorna com um médico brasileiro e mais a anestesista. Insistem para que eu tome a epidural e mande embora a dor estúpida e sem sentido, nas palavras da anestesista Patrocínio. O médico faz o toque e continuo nos 6 cm.

Pausa: foi aqui que tive a certeza de que eles haviam lido meu plano de parto e decidiram fazer tudo ao contrário. Um dos pontos era extremamente claro: "Agradeço que não me seja oferecida medicação anestésica ou analgésica, a não ser que eu peça explicitamente". Por que então a anestesista fala daquela maneira?

Enfim, com a entrada espalhafatosa do médico e sua trupe, luzes acesas, barulho, eu me desconcentrei e já não conseguia mais relaxar entre as contrações. Ele fez o toque, 6-7 cm. Então, em tom ameaçador ele diz: "seu bebê ainda está alto, se ele não baixar vamos ter que fazer uma cesárea, por isso é melhor você tomar a epidural agora para ver se ele se encaixa". 

E essa é a hora que na perspectiva de um mal maior, cedemos a um "mal menor". Aceitei a epidural. Mas meu esposo teve que sair do quarto. A Enf. Ofélia esteve ao meu lado me auxiliando. No meio de luzes e contrações, estresse e medo, pois eu tinha mais medo da epidural do que do parto, me trazem um papel para eu autorizar a intervenção. No papel estava escrito os efeitos colaterais e possíveis problemas da anestesia. Que bela hora para se assinar uma autorização!
Enquanto a anestesista me preparava, dizendo que eu teria que me manter imóvel, eu me contorcia durante a contração. Então quando ela coloca a agulha na minha coluna, sinto uma espécie de choque percorrendo todo meu lado direito e me mexo. A médica grita dizendo "não, não se mexa". Eu já nem me preocupo em responder. E até hoje, dependendo da posição que me encontro, eu ainda sinto esse mesmo choque. 

Depois meu esposo retorna e a "paz" reina no bloco de partos. Menos no meu coração... Eu ainda sentia as contrações, mas percebi que elas diminuiram muito na frequencia. Continuava sem poder me movimentar e agora nem em pé podia mais ficar. Em duas horas, que foi o prazo que o médico deu para meu filho descer, devo ter tido no máximo 10 contrações... e antes elas estavam praticamente grudadas uma na outra.
Meu esposo sempre ao meu lado, me apoiando, rezando comigo, segurando a minha mão, me passando tranquilidade. Como era importante ter ele ali comigo. 

Passada as duas horas, novo toque, e ao invés de 6 para 7 cm, eu estava com 6 cm.
COMO ASSIM???  Meu esposo questiona o médico, ele ignora a pergunta e diz que por não ter evoluído na dilatação, pelo meu filho ainda estar alto, pelo CTG não estar tranquilizador, e por eu ser estreitinha de ancas, e por estar muito tempo em trabalho de parto (eu não tinha nem 15 horas), ele estava me encaminhando para a cesárea. Detalhe que eram quase 2 da manhã... Incrível a visão de raio-X que alguns médicos tem para diagnosticar incompatibilidade feto-pélvica tão cedo... E na minha opinião, a epidural só atrapalhou pois parou meu trabalho de parto.


Conforme os dias passaram, eu fui desistindo de questionar a decisão do médico, apesar de não concordar. Meu pai disse uma coisa e penso ser verdade: a gente nunca sabe o que poderia ter acontecido se não fosse assim. É verdade, não dava para saber. Fisicamente, eu e meu filho estamos bem. Ele nasceu com um apgar 10-10 se não me engano, um pouco incompatível com CTG não tranquilizador não é?

Eu fiquei muito nervosa durante a cirurgia, pois mais uma vez meu esposo não pode estar comigo. Me senti sozinha e desamparada. Tinha medo de desmaiar, pois tenho pressão baixa, e não ver o meu filho. Mas os aparelhos acusavam uma pressão altíssima e a anestesista dizia que eu tinha que me acalmar. Veio o medo da anestesia não pegar, pois quando mexiam em mim eu ainda sentia muito bem. Mas a anestesista me mostrou pacientemente que estava tudo certo e que a anestesia havia pegado bem. Quando tiraram meu filho, não ouvi seu choro. Ele não chorou... mas quando vi seu rostinho eu entendi porque. Ele tinha uma cara de pergunta: "O que eu estou fazendo aqui? Ainda não era a hora para eu sair." E uma lágrima escorreu do meu olho ao ver os seus olhos grandes e expressivos como de seu pai... Me trouxeram ele e passaram seu pézinho no meu rosto e já o levaram.
Enquanto me suturavam, começei a sentir uma dor no ombro direito. Eu estava amarrada e aquilo estava me incomodando. E essa dor começou a se espalhar para o peito. Eu informo isso a equipe, que diz não ser nada e que está tudo bem. Injetam uma coisa no meu soro e eu pergunto o que é e para que serve. Me respondem só depois que eu insisto. A dor no ombro e no peito foi aumentando e eu novamente informo a equipe. A anestesista diz ser impossível eu sentir alguma dor pois estou anestesiada até ao peito, que era para eu me acalmar. 
Mas estava doendo, e eu tinha medo de ser alguma coisa mais grave e estarem ignorando e disse novamente da dor. A anestesista diz então: Já sei o que você precisa. E injeta um líquido direto na minha veia, e depois disso lembro de acordar toda babada e com a máscara de oxigênio no rosto. Ainda estavam trabalhando em mim. E só depois, quando li meu prontuário, que entendi o que tinha acontecido naquele momento. A anestesista Patrocínio me aplicou propofol. É minha gente, propofol... que pra quem não sabe é um anestésico injetável, o mesmo que matou o Michael Jackson, só para vocês fazerem uma associação. E por que? Eu desconfio que tenha sido para me calar a boca. Pois no meu prontuário está escrito algo assim no quesito "problemas durante o procedimento": "paciente perguntava tudo, tinha doula, não queria nada e teve tudo que tinha direito".

Suturada, sem meu filho e morrendo de frio, me levaram para a recuperação. Eu não entendi porque sentia tanto frio e perguntava. Depois me disseram que era por causa do ar condicionado da sala cirúrgica e por eu estar sem roupa. Eu tremia dos pés a cabeça e pedia pelo meu filho e meu esposo. Diziam que não era possível. Eu insistia, para cada enfermeira que passava do meu lado. Eu sabia da importância da amamentação nas primeiras horas e não queria perder mais essa... Até que finalmente a Enf. Ofélia trouxe meu esposo e meu filho. Que alívio.
Dudu tinha (tem até hoje) um cheiro tão gostoso! Nunca vou me esquecer do seu cheirinho nos primeiros dias. Ficou brincando com o seio até que do nada, pegou e começou a mamar! Eu podia amamentar meu filho, que alegria!


Nesse caso, o post é sobre algo que me foi confiscado: meu direito a um parto humanizado, o respeito às minhas escolhas e decisões. 
Mas como sempre diz meu esposo: as coisas acontecem como tem que acontecer. É verdade, e isso tudo vem me abrindo inúmeras oportunidades: não só no aspecto pessoal, mas também, acredito eu, no profissional. E assim, eu confisco o que faço depois, o que faço com a violência obstétrica que sofri, o que faço com a frustração, com a angústia, e com a cicatrização dessa ferida. 
E isso sim, ninguém pode tirar de mim, isso sim, não vai escapar.

Claro, não poderia deixar de agradecer a todos que participaram.dessa jornada, meu filho, meu esposo querido, minha família, amigos, nossa doula, profissionais e acima de tudo a Deus, pelos tesouros de minha vida. Muito obrigada de todo meu coração!