quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

a mulher selvagem

Ontem terminei o livro que me fez entender muito de mim mesma. Que me deu muita confiança sobre o que eu sentia. "Mulheres que correm com os lobos - Mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem" de Clarissa Pinkola Estés. 
O primeiro contato que tive com esse livro foi quando dei um exemplar para minha mãe, no dia das mães. Não fazia ideia da riqueza da obra, apenas tinha achado interessante o título e como minha mãe é psicóloga junguiana, e o livro falava de um arquétipo, achei que poderia ser interessante para seu caminhar.
Eu comecei a ler este livro em 2016. Mas só consegui terminá-lo agora. Me acontece isso com alguns livros que leio. Parece que as vezes preciso dar um tempo na leitura. Por mais que eu esteja adorando o que leio, de repente não sobra mais tempo, esqueço do livro e assim vai indo. Até que por obstinação eu decido que tenho que terminar a leitura e me entrego novamente.

O conto do final, sobre a donzela sem mãos foi particularmente preenchedor. E no último capítulo, ao falar do "Canto Hondo, o Canto Profundo", senti uma espécie de empurrão.

"Tenhamos em mente que não se pode esconder o que há de melhor. A meditação, a instrução, todas as análises de sonhos, todo o conhecimento dos verdes campos divinos não tem nenhum valor se forem guardados para a própria pessoa ou para uma dúzia de escolhidos. Portanto, apareça. Apareça onde quer que esteja. Deixe pegadas fundas porque você pode fazer isso. Seja a velha na cadeira de balanço que embala uma ideia até que ela volte a remoçar. Tenha a coragem e a  paciência da muher na história do urso da meia-lua, que aprende a ver além da ilusão. Não se distraia queimando fósforos e fantasias como a pequena menina dos fósforos.
Não desista até encontrar a família à qual pertence, como o patinho feio. Despolua o rio criativo para que La Llorona encontre o que lhe pertence. Como a donzela sem mãos, deixe que o coração paciente a guie floresta afora. Como La Loba, colha os ossos dos valores perdidos e cante para devolvê-los à vida. Perdoe tantos quanto puder, esqueça um pouco e crie muito. O que você faz hoje influencia suas descendentes no futuro. As filhas das filhas das suas filhas irão provavelmente lembrar-se de você e, o que é mais importante, seguir seu exemplo." 

Sempre me questionei do porque escrever. Era uma necessidade do ego? A intenção era inspirar pessoas que estão passando por situações semelhantes, e como numa corrente virtual, não nos sentirmos tão só. Quantas vezes fui acolhida por textos, histórias, e publicações de pessoas que mal conheço. Nos desertos que algumas vezes atravessamos na vida histórias como essas são pequenas gotas d´água que encontramos pelo caminho, que costumo interpretar como sinais de que estou no caminho que tenho que estar. 
Clarissa foi um mar nesse sentido.

Quando engravidei, no início, acreditei que essa mulher selvagem existia dentro de mim. Mas por inúmeros fatores, eu não consegui encontrá-la. No momento que mais precisei, foi quando me senti mais desamparada. Eu sabia o poder dela, e não consegui me entregar a ela. Foi doloroso, como toda iniciação. Mas hoje, com a consciência um pouco mais ampliada, consigo perceber a importância de tudo.
Graças a essa torturante iniciação, tive acesso aos conhecimentos que tanto busquei em outros tempos. Não, não precisamos passar por momentos dolorosos para encontrarmos o que buscamos. Mas hoje percebo que situações delicadas servem para nos tirar um pouco da inocência nociva.
Hoje o acesso ao conhecimento é muito fácil, e temos a chance de nos inundarmos com alguns deles muito mais rapidamente. Entre prós e contras dessa facilidade, sou grata por isso.
O conhecimento do feminino profundo chegou até mim por inúmeras fontes: todo o material disponibilizado por Sri Prem Baba, blogs, páginas do Facebook, Instagram, livros, e até as Feiras da Maternarum que participei me proporcionaram algumas conexões essenciais. Que bela colcha de retalhos.

Clarissa também me deixou identificar os ciclos de 7 anos em minha vida.
Menstruei aos 14.
Me formei aos 21.
Meu filho nasceu aos 28.
E dos 28 até os 34, foi o período em que percebi algumas ilusões se desfazendo, e algo mais sólido, profundo e consistente surgindo. Hoje, minha submissão e devoção ao caminho são irrevogáveis. Aos 35, um novo ciclo se inicia. E eu que me achava toda desconexa do mundo selvagem, percebo agora que sempre estive ligada a ele, apesar de não conseguir senti-lo. Fica o lembrete, para que alguns detalhes não se percam. Porque o essencial está apreendido. 

"Por isso, se você estiver a um passo de escapar, de assumir riscos - se ousar agir de modo proibido, procure cavar para encontrar os ossos enterrados mais fundo, fazendo frutificar os aspectos naturais e selvagens da mulher, da vida dos homens, das crianças, da terra. Use seu amor além dos seus bons instintos para saber quando rosnar, quando atacar, quando aplicar um golpe violento, quando matar, quando recuar, quando ladrar até a madrugada. Para viver o mais próximo possível da força espiritual selvagem, a mulher precisa sacudir mais a cabeça, ser mais exuberante, ter mais faro na sua intuição, ter mais vida criativa, enfiar mais a mão na massa, ter mais solidão, ter mais companhia de mulheres, levar uma vida mais natural, ter mais fogo, elaborar mais palavras e as ideias. Ela precisa de um maior reconhecimento por parte das suas irmãs, de mais sementes, mais rizomas mais delicadeza com os homens, mais revolução na vizinhança, mais poesia, mais descrição das fábulas e fatos do feminino selvagem. Mais grupos de costura terroristas e mais uivos. Muito mais canto hondo, muito mais canto profundo.
Ela precisa sacudir o pêlo, percorrer as trilhas conhecidas, afirmar seu conhecimento instintivo. Todas nós podemos afirmar pertencer ao antigo clã das cicatrizes, ostentar orgulhosas as marcas do combate do nosso tempo, escrever nossos segredos nas paredes, não aceitar sentir vergonha, abrir o acesso à saída. Não vamos nos desgastar com a raiva. Pelo contrário, vamos extrair forças dela. Acima de tudo, sejamos espertas e usemos nossos talentos femininos."


segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

sobre julgar

Quando as situações se repetem, é um grande sinal de que ainda não aprendemos o que era preciso.

Há pessoas que dizem que é impossível não julgar, vivendo neste mundo. Sempre discordo dos impossíveis, mas reconheço que não é uma tarefa simples. Desde os primórdios temos tentado aprender sobre isso.

"e quem estiver livre do pecado, que atire a primeira pedra"
Mas o que dentro de nós faz com que nos sintamos no direito de julgar alguém?
Ego?
Orgulho?
Falta de autoconhecimento?
Tudo isso e mais um pouco junto?

Uns anos atrás escrevi um texto, eu não me torno, eu não sou. A motivação era outra, o sentido era outro. Mas ultimamente tenho pensado bastante nas primeiras frases do texto:
Eu não me torno uma boa pessoa por conta de todos os vídeos de ações bondosas que assisto.
Eu não me torno uma pessoa caridosa por conta de todas as pessoas caridosas que admiro.
E devo acrescentar: Eu não sou uma pessoa evoluída espiritualmente por conta do caminho que escolhi e das coisas que partilho no facebook.
Ao mesmo tempo, me lembro de um texto do Gustavo Tanaka que li recentemente: O hábito de se defender o tempo todo.
No texto ele aborda sobre a necessidade de se justificar, e do porque isso não é produtivo para quem escolheu um caminho de autoconhecimento.
Aí vem a pergunta: estou me justificando com esse texto?
Não. É só a minha maneira de analisar as questões a fundo, talvez até fundo demais, e de buscar compreensão. Quando tento entender sobre o fenômeno, penso que assim apreendo a essência do problema, e não uma situação isolada apenas. Pelo menos essa é a teoria e a intenção.

Então vamos, do começo:

Significado de Julgar

v.t.d. e v.i.Decidir uma questão na qualidade de juiz ou árbitro: julgar uma ação judicial; sua profissão era julgar.v.reg.mult.Sentenciar; proferir uma sentença, condenando ou absolvendo: julgou o bandido; o juiz julgou-o culpado; o juri julgou os empresários à cadeia; não se julga sem provas.Ter uma opinião sobre; expressar um parecer, um juízo de valor acerca de: julgou o cantor; julgaram do presidente por corrupção; a vida o julgará pelos seus erros; não se pode julgar.v.t.d. e v.t.d.pred.Considerar; tomar uma decisão em relação a: julgaram que era razoável continuar; julgaram horrível o seu texto.v.t.d. e v.pron.Supor; imaginar-se numa determinada situação: julgou que lhe dariam um contrato; julga-se menos esperto do que o irmão.(Etm. do latim: judicare)
Quando julgamos, nos colocamos acima da questão. Acima do erro, acima do sujeito. Como? Porque pensamos que jamais iríamos agir daquela maneira. Porque jamais cometeríamos aquele erro. Porque jamais, em hipótese alguma, o outro poderia ter agido daquela forma (dentro do meu conceito de certo e errado).
Exemplo: aborto.
Eu já julguei pessoas que fizeram aborto. Porque eu penso que não teria coragem de abortar. E isso de certa forma, me deu o direito de achar que poderia falar alguma coisa sobre quem pensa diferente. Mas ao estudar melhor essa questão eu vi pessoas passando por situações que eu nunca havia passado. E ao me colocar no lugar delas percebi que muito provavelmente, teria tomado a mesma decisão. Não dá para imaginar o desespero se não sentimos na pele situações como  fome, maus tratos, falta de perspectiva, falta de abrigo, etc. Então, a arrogância, e o prazer (sim, isso dá prazer, olhe bem), de dizer que ao outro que ele está errado (e consequentemente eu estou certa, e aqui está o prazer) tiveram que aparecer para dizer oi e juntos decidirmos o que fazer.
Psicologicamente, existe um vício, uma necessidade. Me sentir superior, pois não reconheço meu verdadeiro valor, então tenho que julgar o outro, me colocar acima dele (afinal eu estou certa), para então ter uma ilusão de que sou importante. Outra questão é a intolerância e o poder que ela te dá, afinal, a sua opinião é a certa.

Também já li um texto que mostra muito bem que opinião não é argumento.
E uma frase que vi pelo facebook que dizia mais ou menos assim: A sua experiência pessoal não serve para discutir um problema social amplo. Como por exemplo o racismo. Eu não sou negra, nunca fui censurada pelo meu tom de pele. Eu não tenho condições de falar sobre racismo, porque nunca vivi isso na pele. Posso ter ideias sobre o racismo, mas não tenho conhecimento técnico e muito menos vivencial para falar sobre esse assunto.
E é assim com praticamente tudo na vida... Não vivemos as mesmas situações, cada um tem seu repertório emocional, suas tramas psicológicas, espirituais e do ego.

Reflexão iniciada?

Sim. Comecei a escrever este texto em meados de 2016. Hoje é 8 de janeiro de 2018. Ontem assisti um documentário/filme do Netflix sobre pessoas anoréxicas "O mínimo para viver". E fiquei impressionada com a velocidade com que julguei a personagem principal do filme. Lembrei da frase:



E podemos substituir "fala" por "julgo". E isso acaba sendo uma imensa oportunidade de aprendizado quando nos percebemos julgando ou falando de alguém. Aproveitemos, apreendamos essa oportunidade!!






sábado, 2 de julho de 2016

a mulher braba


E tudo com a nossa permissão.
O caos é oportunidade de nos aprofundarmos no caminho. Sem o caos há acomodação, natural na nossa humanidade.
Eu, no meio do meu caos, encontrei alguns lampejos. A Clarissa me devolveu. O livro: Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola Estes deveria ser leitura obrigatória, para homens e mulheres.
Através dos mitos e da sua escrita poética e profunda, vieram os vagalumes da compreensão.
Nem sempre é suave.


Mas é real, é verdadeiro, fica confiscado, fica apreendido. Ninguém tira.
Não é suave porque dói reconhecer a nossa sombra. Dói olhar para aquilo que não queremos. É torturante reconhecer nossas fraquezas, se sentir sufocada por elas. Reconhecer nossos erros e as coisas que perdemos por conta de atitudes inconscientes é dilacerante.
Com os mitos e a Clarissa já pude entrar em contato com duas "personagens" bastante significativas na minha história. O "Barba Azul" e a "Mulher Braba". 
"A mulher braba é aquela que um dia viveu num estado psíquico natural — ou seja, em perfeito estado mental selvagem — e que depois se tornou cativa de alguma reviravolta dos acontecimentos, passando, assim, a ser excessivamente domesticada e amortecida nos seus instintos próprios. Quando essa mulher tem a oportunidade de voltar à sua natureza selvagem original, quase sempre ela é vítima de todos os tipos de armadilhas e venenos. Como seus ciclos e seus sistemas de proteção foram manipulados, ela corre riscos naquele que costumava ser seu estado selvagem natural. Já não mais alerta e desconfiada, ela se torna presa fácil."
"Se você alguma vez foi capturada, se você alguma vez sofreu de hambre del alma, uma fome da alma, se você alguma vez se sentiu num alçapão e especialmente se você tem uma compulsão a criar, é bem provável que você tenha sido ou seja uma mulher braba. A mulher braba tem em geral uma fome extrema por algo profundo e, muitas vezes, pode ingerir qualquer veneno disfarçado na ponta de uma flecha, na crença de que ele é aquilo pelo qual sua alma anseia." 
Fome extrema por algo profundo.
Sim, essa sou eu.
E como me tornei uma mulher braba? Ainda não sei exatamente. Mas sempre senti dificuldade de ouvir meus instintos, meu coração, minha voz interior. Clarissa indica pistas, caminhos. Estou percorrendo alguns para ter uma compreensão mais ampla.
"A vida sombria ocorre quando escritoras, pintoras, bailarinas, mães, cientistas, místicas, estudantes ou artífices param de escrever, de pintar, de dançar, de cuidar dos filhos, de pesquisar, observar, aprender, praticar. Elas podem parar porque aquilo a que dedicaram tanto tempo não saiu como esperavam, não obteve o reconhecimento merecido ou por inúmeras outras razões. Quando quem cria pára pelo motivo que seja, a energia que chega naturalmente a ela é desviada para o mundo oculto, a partir do qual ela vem à tona quando e onde consegue." 
Quando e onde consegue. Ou numa metáfora que Debbie Ford no livro e documentário "O Efeito Sombra" usou muito bem: sabe quando tentamos manter bolas dentro da água em uma piscina? Com uma bola é fácil, duas, três... mas as bolas (nossas sombras) aumentam ao longo da vida, e fica difícil mantê-las todas dentro d´agua. E de repente, quando menos esperamos, elas sobem, bem na nossa cara. E a gente olha e se lamenta: Mas não era isso que eu queria!
"Quando a mulher começa a arrumar a sua vida para que caiba inteira num pequeno embrulho bem-feito, tudo o que consegue é forçar toda a sua energia vital para o lado da sombra. "É, estou bem", diz essa mulher. Olhamos para ela do outro lado do quarto ou no espelho. Sabemos que não está bem. Um dia, de repente, alguém nos diz que ela se juntou com um tocador de flautim e fugiu para Tippicanoe para tomar conta de um cassino. Ficamos nos perguntando o que aconteceu porque sabemos que ela detesta flautins e sempre quis ir morar nas ilhas gregas, não em Tippicanoe, e nunca chegou a mencionar uma palavra sequer a respeito de cassinos." 
O mito que representa a mulher braba é o dos Sapatinhos Vermelhos. Envolve inúmeras nuances da psique. Não é uma história que termina bem. Na verdade, é a mais atemorizante que li até agora. Por isso, digo como Matilde Campilho: Escute só, isto é muito sério. Ande, escute que isto é sério...  
"Quando estamos obcecadas pelos sapatinhos vermelhos, todo tipo de fato importante do ponto de vista cultural, pessoal ou ambiental é deixado de lado."
"Quando os instintos estão feridos, os seres humanos trivializam uma agressão após a outra, atos de injustiça e destruição que afeiam a elas mesmas, à sua prole, aos seres amados, à sua terra e até mesmo aos seus deuses."
Existem muitas mulheres brabas por aí, famosas e brilhantes. Quando Clarissa mencionou Janis Joplin tudo ficou mais claro. Na adolescência sentia uma atração inexplicável por essa cantora. Agora vejo que era na verdade uma identificação. Me via nela. Claro, ela era uma mulher braba!
"Não foi a música, o canto nem a vida criativa finalmente liberada de Janis Joplin que a mataram. Foi a falta de instinto para reconhecer as armadilhas, para saber quando basta, para criar limites para a defesa da saúde e do bem-estar, para entender que os excessos quebram alguns ossinhos psíquicos, depois outros maiores, até que finalmente todo o esqueleto de sustentação da psique cai por terra e a pessoa vira uma massa amorfa em vez de uma força poderosa."
E porque escrevo tudo isso?
Por causa da voz da mulher selvagem que anseia em ser ouvida.
"Só esse anseio, esse desejo já faz a pessoa prosseguir. Ele faz com que a mulher continue a procurar. E, se não consegue encontrar a cultura que a estimule, geralmente ela resolve criar, ela mesma, essa cultura. Isso é bom, pois, se ela a criar, outras que vinham procurando há muito tempo chegarão misteriosamente um dia, proclamando com entusiasmo o fato de estarem procurando por ela o tempo todo."

Por fim, o alento:

"Portanto, a mulher que perdeu o controle pela dança, que perdeu seu equilíbrio e seus pés e compreende esse estado de privação no final da história, tem um conhecimento especial e valioso. Ela é como um saguaro, um belo cacto gigante que sobrevive no deserto. Esses cactos podem ser perfurados por muitos tiros, podem ser entalhados, derrubados, pisoteados e ainda assim sobrevivem, ainda assim armazenam a água que dá vida, ainda assim crescem loucamente e se recuperam com o tempo. 
Apesar de os contos de fadas acabarem ao final de dez páginas, nossas vidas não acabam junto. Nós somos coleções de muitos volumes. Na nossa vida, mesmo que um episódio represente um desastre total, sempre há um outro episódio à nossa espera e depois mais outro. Há sempre outras oportunidades para acertar, para moldar nossa vida do jeito que merecemos que ela seja. Não percam tempo amaldiçoando alguma derrota. O fracasso é um mestre mais eficaz do que o sucesso. Ouçam, aprendam, insistam. É isso o que estamos fazendo com essa história. Estamos ouvindo sua mensagem antiqüíssima. Estamos aprendendo lições sobre modelos deteriorantes para podermos prosseguir com a força de quem sabe pressentir as armadilhas, arapucas e iscas antes de nos defrontarmos com elas ou de com elas nos envolvermos. "

Para fazer download do livro, clique aqui.


quarta-feira, 30 de março de 2016

o ex futuro _________

A primeira vez que usei esse termo foi quando larguei o doutorado.
O que eu era? O que eu viria a ser?
A aproximação que cheguei foi trazer o futuro para o presente.
Sou uma ex-futura doutora em Biotecnologia.
A contradição em pessoa... coisa que ouvia desde a época da faculdade, quando alguns (incluindo eu mesma) não conseguiam me compreender.


Seria bem mais fácil se fosse assim não é? 

Então ontem, lendo, relendo, incorporando, confiscando meus trechos de livros, sobre a época genial e as coisas que "só tentam acontecer", ou sobre as viagens de Marco Polo e a fluidez do passado, uma frase me chamou a atenção: 
"Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos."
Isso é o mesmo que um ex futuro qualquer coisa.
Ex futura doutora. Ex futuro projeto de vida. Ex futura família. Ex futuro amor. Ex futuro sonho. Ex futuro.
Algo que chegou a experimentar a realidade. Mas que "logo recuam, com medo de perder a sua integridade na deficiência da realização".
Alguns "ex futuros" são escolhas conscientes, assumidas, estudadas, analisadas. Com meu doutorado foi assim. Assumi que não queria mais aquela estrada. Optei pela curva. Cheguei na encruzilhada e segui pelo caminho menos percorrido. Foi loucura. Uma loucura para não perder a alma. Tchau futura doutora. Olá presente mãe.
Outros não. Outros "ex futuros" nos exigem uma adaptação mais árdua. Resiliência. Mais visceral, mais espiritual. Porque não dependem apenas de nós, de nossos desejos, exclusivamente. Esses são as "manchas brancas, estigmas perfumados, aqueles rastros prateados dos pés descalços dos anjos". Um sonho que não se realizou. Um amor que não vingou. Um projeto de vida que se perdeu na deficiência da realização.
Nos contentamos em guardar a parte boa. Ficamos com a placidez de que tentamos. Aceitamos as circunstâncias. Por que nestes casos insistir é que pode ser a loucura.
Mesmo quando o poeta diz o contrário:
"Mas não crie arrependimentos por aquilo que não foi feito.
Sejamos mais reais em nossas dores.
Tudo o que não aconteceu é perfeito.
Dê chance para a imperfeição. Insista.
Estou cansado de me defender - sou só ataque.
Insisto." Fabrício Carpinejar
Por isso, considero que abrir mão desses "ex futuros" é muito mais difícil. Desapegar, aceitar, com paz no coração é tarefa de uma vida.
Comecei meu aprendizado com a aceitação no yôga. Minha querida Joana dizia: "tens que aceitar teu limite, acolher, para então conseguir transcender. "
Aceitar é uma atitude tão passiva. Eu com meu fogo sagitariano querendo realizar. E tendo que aceitar. Era o início.
Com o tempo fui compreendendo. Além de aceitar, é preciso acolher a dificuldade. É preciso confiar que está se fazendo o seu melhor, dentro das tuas limitações. É o "não olhar o passado com os olhos do presente".
Entrego, confio, aceito, agradeço.
O mantra do Prof. Hermógenes.
O ásana da mente.
Quando aceitamos a dificuldade, percebemos o apego. O apego ao resultado que estávamos a espera. O apego ao "eu não queria que fosse assim", ao invés de: "eu aceito que seja assim" porque não consigo neste momento ver outra coisa a se fazer. Porque nem sempre poderemos fazer coisas.

Lembrei! Outro ex futuro, que foi presente por muito tempo: montar cavalos. Entendê-los. Me comunicar com eles. Tentei. Tentei exaustivamente. Anos... até que aceitei. Não consigo. É minha limitação. Abri mão: não posso ser boa em tudo que quero. E como eu queria ser boa com os cavalos...

Ah, o processo! A complexidade. A sincronicidade.

O apego ao "como eu queria que fosse" (ou às expectativas) é a fonte da dificuldade em aceitar as coisas como são: ex futuros. E isso não é exclusividade minha, ou nossa.
Poetas já traduziram isso:




O remédio para essas dores?
Desapego, aceitação, compreensão. Amor.
Pelo menos é o que estou tomando.

E um pouco de budismo também.









trechos de livros

Alguns livros surgiram na minha vida com propósitos muito específicos.
Seja por toda sua história, seja por trechos que me marcaram profundamente.
O post de hoje vai ser sobre esses trechos. Antes que se percam.
Porque hoje me lembrei deste trecho que vem a seguir e não sabia onde encontrá-lo.
Aqui estarão confiscados!

O mais curioso é que estes livros, nunca cheguei a ler por completo. Como se ao encontrar o tal trecho, não fizesse mais sentido ler o livro todo.
"Então, a época genial existiu ou não? É difícil de responder. Sim e não. Porque há coisas que não podem acontecer totalmente, até o fim. São grandes e magníficas demais para caber num acontecimento. Elas só tentam acontecer, elas só verificam se o solo da realidade as aguenta. E logo recuam, com medo de perder a sua integridade na deficiência da realização. E se elas enfraqueceram o seu capital, se nessas tentativas de reencarnação, perderam uma coisa ou outra, logo, invejosas, retomam a sua propriedade, retiram-na de novo, reintegram-se, e depois, na nossa biografia, aparecem aquelas manchas brancas, estigmas perfumados, aqueles rastros prateados dos pés descalços dos anjos, disseminados por passos gigantescos nos nossos dias e noites, enquanto esta plenitude da glória aumenta e completa-se incessantemente culminando sobre nós e ultrapassando triunfante, êxtase após êxtase."
Sanatório - Bruno Schulz 
Este que vem a seguir foi o mais curioso. Comprei o livro por causa desta citação, que vinha na contracapa do livro. E nunca cheguei a terminar a leitura.
"Com efeito, mesmo que a realidade não fosse inesgotável, bastaria a necessidade
que tem cada geração e mesmo cada um de nós de resolver, por si só, cada
problema, em nossa própria linguagem, para tornar o conhecimento aquilo que ele é
por natureza a tentativa, incessantemente renovada, de explicar o homem e o
mundo. Talvez seja mais exato dizer, aliás, que o importante é tornar a linguagem
comum em carne, e sangue, e ossos, para cada pessoa em particular; e esta é a
tarefa que cada pensamento particular, cada geração, cada pessoa, têm de realizar,
ao serem chamados a repensar o mundo."
Ariano Suassuna - Iniciação a estética
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 "Marco Polo imaginava responder (ou Kublai imaginava a sua resposta) que, quanto mais se perdia em bairros desconhecidos de cidades distantes, melhor compreendia as outras cidades que havia atravessado para chegar até lá, e reconstituía as etapas de suas viagens,e aprendia a conhecer o porto de onde havia zarpado, e os lugares familiares de sua juventude, e os arredores de casa, e uma pracinha de Veneza que corria quando era criança.
Neste ponto, Kublai Khan o interrompia ou imaginava interrompê-lo ou Marco Polo imaginava ser interrompido com uma pergunta como:
- Você avança com a cabeça para trás? - ou então: - O que você vê está sempre às suas costas? - ou melhor: - A sua viagem só se dá no passado?
Tudo isso para que Marco Polo pudesse explicar ou imaginar explicar ou ser imaginado explicando ou finalmente conseguir explicar a si mesmo que aquilo que ele procurava estava diante de si, e, mesmo que se tratasse do passado, era um passado que mudava à medida que ele prosseguia a sua viagem, porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia que passa acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos.
Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça. Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.
- Você viaja para reviver o seu passado? - era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: - Você viaja para reencontrar o seu futuro?
E a resposta de Marco:
- Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá."
Ítalo Calvino - Cidades Invisíveis
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“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver."
Amyr Klink - Mar sem fim
Esse eu li por inteiro. Maravilhoso! _________________________________________________________________________________
“Planava sobre nós uma espécie de vento, de som inaudível que nos dizia mais ou menos isto:
há um tempo para aprender,
um tempo para ignorar e outro para saber;
um tempo para compreender e outro para lembrar”.
Augusto Roa Bastos - Contra a Vida. 
Esse também eu li por inteiro, acho. Se me não engano.

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Confiscado! Sujeito a adições.
O próximo será de textos de blogs... prevejo imensidão.



quinta-feira, 17 de março de 2016

não quero coroa de flores

Hoje esse pensamento voltou na minha cabeça. E vou ser radical.
Quer coisa mais inútil que coroa de flores em velório? Com todo respeito e consideração... Mas porque não dar tudo isso de flor para a pessoa enquanto ela está viva?
Pensa que coisa mais linda! Pensa como a pessoa ficaria feliz.
Não quer dar uma coroa? Ok, é meio mórbido. Dá sua presença então! Dá uma flor por dia. Então teremos flores para o ano todo.

Coroas representam nossa culpa pelo que não fizemos.
Pelo amor que não demos, pelos dias em que faltou tempo, pelos dias em que faltou coragem.
Porque vamos combinar, viver dá um medo danado não dá? E a coragem? Como diz a coruja desse outro post: se der medo, finge que tem coragem e vai com medo mesmo!  Que coincidentemente foi escrito nesta mesma época, 1 ano atrás.
Que sincronia não?
Por falar em sincronicidade. Fim de semana que passou encontrei minha turma da faculdade depois de 10 anos de formados. Um dos colegas, no meio das conversas, ia e vinha com uma história de guerra. Cada um contando como estavam as coisas e ele dizia: "Mas vejam gente, e se você tivesse que ir para a guerra amanhã? Podia ser pior né? Se tivesse que lutar lá na frente. Então tá tudo bem!"
Brincamos com ele sobre essa história. Mas me chamou muita atenção o seu pensamento simples e efetivo. E então? Se eu tivesse que ir para a guerra amanhã?

Voltando à morte, pensar sobre ela pode ser bastante produtivo. De várias formas.
Uma delas é a sua iminência como catalizadora de mudanças.
Steve Jobs diz isso de maneira bem didática aqui, no tal vídeo do discurso em Stanford.
Já falei sobre catalizadores também. Substâncias que aceleram uma reação química, ou mudanças necessárias na nossa vida.
Por isso, para mim, coroa de flores, só se for para enfeitar minha cabeça, bem viva, bem alegre, bem romântica, bem feliz.
Foto: Link

No meu velório quero que toquem essa música.
E depois quero ser cremada. Desapego minha gente...
E aí de quem me aparecer com coroa de flores! Eu volto para assombrar, viu? :P
Acho, (veja bem, incerteza) que não tenho medo da morte. Tenho é medo de não viver.
Tenho medo de ver o tempo passar e não ter sentido a vida e todas as suas miríades.
E chega de escrever, tenho uma vida me esperando <3

segunda-feira, 14 de março de 2016

a mulher selvagem

"A arte é importante porque ela celebra as estações da alma, ou algum acontecimento trágico ou especial na trajetória da alma. A arte não é só para o indivíduo; não é só um marco da compreensão do próprio indivíduo. Ela é também um mapa para aqueles que virão depois de nós."
Clarisse  Pinkola Estés - Mulheres que correm com os lobos. Pág. 29
Escrever é uma das minhas formas de arte, é o meu marco da auto-compreensão. O mais complexo, pois traduzir sentimentos em palavras nunca foi tarefa fácil para mim. Mas é necessária.

Hoje comecei a ler este livro. Havia dado ele para minha mãe em 2001. Um amigo me falou dele no começo deste ano. E mês passado o livro chegou até mim numa caixa de livros para libertar no book crossing. Chegou a hora, pensei. Mas ainda não. Levou um tempinho. O tempo de me cansar das coisas como elas estão e partir de novo em busca. Até fiz um paralelo com as colchonilhas que estão na minha flor.
Eu vinha ao longo do tempo tirando as colchonilhas quase todos os dias. Pegava uma por uma e tirava da flor. Já tem mais de uma semana que não faço isso e minha flor está sentida. Colchonilhas são devastadoras!  O mais fácil seria eu deixar pra lá e depois arrumar outra flor. Mas pensei em situações da minha vida em que senti as minúsculas colchonilhas atacando e não fiz nada. E pensei no que aconteceu depois. Então hoje decidi que começaria a ler o livro.

 Ainda estou no primeiro capítulo, mas a mulher selvagem já me dominou. Já me identifiquei. Já entendi parte da minha busca.
"O arquétipo da Mulher Selvagem envolve o ser alfa matrilinear. Há ocasiões em que vivenciamos sua presença, mesmo que transitoriamente, e ficamos loucas de vontade de continuar. Para algumas mulheres, essa revitalizante "prova da natureza" ocorre durante a gravidez, durante a amamentação, durante o milagre das mudanças que surgem à medida que se educa um filho, durante os cuidados que dispensamos a um relacionamento amoroso, os mesmos que dispensaríamos a um jardim muito querido. " Pág. 19 e 20. 
Sincronicidade.
Não sou atípica, não sou maluca. Sou uma mulher selvagem.
Demorou para perceber. Era tão óbvio. Na verdade, percebi na hora certa. Na hora que estou preparada emocionalmente para acolher, entender, e viver com essa mulher selvagem que existe em mim.
Porque até agora, eu a sentia, mas não a reconhecia.
"Quando são cortados os vínculos de uma mulher com sua fonte de origem, ela fica esterelizada, e seus instintos e ciclos naturais são perdidos, em virtude de uma subordinação à cultura, ao intelecto, ou ao ego - dela própria ou de outros." Pág. 23
Já me senti esterelizada, completamente perdida de mim. Sentia a minha incapacidade de me encaixar no padrão, de ser submissa. Eu questiono, ou como me ajuda nessa tradução, Florbela Espanca:
“O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma … que tem saudade…sei lá de quê!” Florbela Espanca 
Mas nem sempre me aceitei assim. Era tanta subjetividade que nunca dei conta de mim completamente. Alguns anos de terapia e as coisas ficaram mais "fáceis".  Mas ao mesmo tempo é fácil se perder de si.
"Uma mulher saudável assemelha-se muito a um lobo; robusta, plena, com grande força vital, que dá a vida, que tem consciência do seu território, engenhosa, leal, que gosta de perambular, Entretanto, a separação da natureza selvagem faz com que a personalidade da mulher se torne mesquinha, parca, fantasmagórica, espectral. Não fomos feitas para ser franzinas, de cabelos frágeis, incapazes de saltar, de perseguir, de parir, de criar uma vida. Quando as vidas das mulheres estão em estase, tédio, já está na hora de a mulher selvática aflorar. Chegou a hora da função criadora da psique fertilizar a aridez. " Pág. 26
Já me senti separada da minha natureza selvagem. E hoje consigo perceber que foi a mulher selvagem que me resgatou. Me trouxe novamente a vida, me lembrou do quanto gosto de perambular. Me mostrou que me sentir incapaz de parir era uma parte do processo. E que é preciso ter fé, pois quando chega a hora certa, a mulher selvática aflora. Porque não dá para esconder nossa essência para sempre.
Isso é um processo extramente individual. Mas só foi possível para mim pelos pais selvagens que tenho. Não tenho só uma mãe-mulher selvagem. Tenho também um pai-homem selvagem. Esse exemplo de união selvagem, tão profunda e significativa, que me moldou desde o princípio. Como não sentir gratidão diante dessa experiência sagrada?
Mas para atingir a plenitude, é preciso antes curar-se. Hoje é a mulher selvagem que me promete essa cura.
Que eu possa apreendê-la, interiorizá-la, essa será minha prece.
"Cada uma de nós recebe uma célula refulgente que contém todos os instintos e conhecimentos necessários para nossa vida." Pág. 27
 Que todas as pessoas possam identificar essa célula sagrada!