quarta-feira, 30 de março de 2016

o ex futuro _________

A primeira vez que usei esse termo foi quando larguei o doutorado.
O que eu era? O que eu viria a ser?
A aproximação que cheguei foi trazer o futuro para o presente.
Sou uma ex-futura doutora em Biotecnologia.
A contradição em pessoa... coisa que ouvia desde a época da faculdade, quando alguns (incluindo eu mesma) não conseguiam me compreender.


Seria bem mais fácil se fosse assim não é? 

Então ontem, lendo, relendo, incorporando, confiscando meus trechos de livros, sobre a época genial e as coisas que "só tentam acontecer", ou sobre as viagens de Marco Polo e a fluidez do passado, uma frase me chamou a atenção: 
"Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos."
Isso é o mesmo que um ex futuro qualquer coisa.
Ex futura doutora. Ex futuro projeto de vida. Ex futura família. Ex futuro amor. Ex futuro sonho. Ex futuro.
Algo que chegou a experimentar a realidade. Mas que "logo recuam, com medo de perder a sua integridade na deficiência da realização".
Alguns "ex futuros" são escolhas conscientes, assumidas, estudadas, analisadas. Com meu doutorado foi assim. Assumi que não queria mais aquela estrada. Optei pela curva. Cheguei na encruzilhada e segui pelo caminho menos percorrido. Foi loucura. Uma loucura para não perder a alma. Tchau futura doutora. Olá presente mãe.
Outros não. Outros "ex futuros" nos exigem uma adaptação mais árdua. Resiliência. Mais visceral, mais espiritual. Porque não dependem apenas de nós, de nossos desejos, exclusivamente. Esses são as "manchas brancas, estigmas perfumados, aqueles rastros prateados dos pés descalços dos anjos". Um sonho que não se realizou. Um amor que não vingou. Um projeto de vida que se perdeu na deficiência da realização.
Nos contentamos em guardar a parte boa. Ficamos com a placidez de que tentamos. Aceitamos as circunstâncias. Por que nestes casos insistir é que pode ser a loucura.
Mesmo quando o poeta diz o contrário:
"Mas não crie arrependimentos por aquilo que não foi feito.
Sejamos mais reais em nossas dores.
Tudo o que não aconteceu é perfeito.
Dê chance para a imperfeição. Insista.
Estou cansado de me defender - sou só ataque.
Insisto." Fabrício Carpinejar
Por isso, considero que abrir mão desses "ex futuros" é muito mais difícil. Desapegar, aceitar, com paz no coração é tarefa de uma vida.
Comecei meu aprendizado com a aceitação no yôga. Minha querida Joana dizia: "tens que aceitar teu limite, acolher, para então conseguir transcender. "
Aceitar é uma atitude tão passiva. Eu com meu fogo sagitariano querendo realizar. E tendo que aceitar. Era o início.
Com o tempo fui compreendendo. Além de aceitar, é preciso acolher a dificuldade. É preciso confiar que está se fazendo o seu melhor, dentro das tuas limitações. É o "não olhar o passado com os olhos do presente".
Entrego, confio, aceito, agradeço.
O mantra do Prof. Hermógenes.
O ásana da mente.
Quando aceitamos a dificuldade, percebemos o apego. O apego ao resultado que estávamos a espera. O apego ao "eu não queria que fosse assim", ao invés de: "eu aceito que seja assim" porque não consigo neste momento ver outra coisa a se fazer. Porque nem sempre poderemos fazer coisas.

Lembrei! Outro ex futuro, que foi presente por muito tempo: montar cavalos. Entendê-los. Me comunicar com eles. Tentei. Tentei exaustivamente. Anos... até que aceitei. Não consigo. É minha limitação. Abri mão: não posso ser boa em tudo que quero. E como eu queria ser boa com os cavalos...

Ah, o processo! A complexidade. A sincronicidade.

O apego ao "como eu queria que fosse" (ou às expectativas) é a fonte da dificuldade em aceitar as coisas como são: ex futuros. E isso não é exclusividade minha, ou nossa.
Poetas já traduziram isso:




O remédio para essas dores?
Desapego, aceitação, compreensão. Amor.
Pelo menos é o que estou tomando.

E um pouco de budismo também.









trechos de livros

Alguns livros surgiram na minha vida com propósitos muito específicos.
Seja por toda sua história, seja por trechos que me marcaram profundamente.
O post de hoje vai ser sobre esses trechos. Antes que se percam.
Porque hoje me lembrei deste trecho que vem a seguir e não sabia onde encontrá-lo.
Aqui estarão confiscados!

O mais curioso é que estes livros, nunca cheguei a ler por completo. Como se ao encontrar o tal trecho, não fizesse mais sentido ler o livro todo.
"Então, a época genial existiu ou não? É difícil de responder. Sim e não. Porque há coisas que não podem acontecer totalmente, até o fim. São grandes e magníficas demais para caber num acontecimento. Elas só tentam acontecer, elas só verificam se o solo da realidade as aguenta. E logo recuam, com medo de perder a sua integridade na deficiência da realização. E se elas enfraqueceram o seu capital, se nessas tentativas de reencarnação, perderam uma coisa ou outra, logo, invejosas, retomam a sua propriedade, retiram-na de novo, reintegram-se, e depois, na nossa biografia, aparecem aquelas manchas brancas, estigmas perfumados, aqueles rastros prateados dos pés descalços dos anjos, disseminados por passos gigantescos nos nossos dias e noites, enquanto esta plenitude da glória aumenta e completa-se incessantemente culminando sobre nós e ultrapassando triunfante, êxtase após êxtase."
Sanatório - Bruno Schulz 
Este que vem a seguir foi o mais curioso. Comprei o livro por causa desta citação, que vinha na contracapa do livro. E nunca cheguei a terminar a leitura.
"Com efeito, mesmo que a realidade não fosse inesgotável, bastaria a necessidade
que tem cada geração e mesmo cada um de nós de resolver, por si só, cada
problema, em nossa própria linguagem, para tornar o conhecimento aquilo que ele é
por natureza a tentativa, incessantemente renovada, de explicar o homem e o
mundo. Talvez seja mais exato dizer, aliás, que o importante é tornar a linguagem
comum em carne, e sangue, e ossos, para cada pessoa em particular; e esta é a
tarefa que cada pensamento particular, cada geração, cada pessoa, têm de realizar,
ao serem chamados a repensar o mundo."
Ariano Suassuna - Iniciação a estética
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 "Marco Polo imaginava responder (ou Kublai imaginava a sua resposta) que, quanto mais se perdia em bairros desconhecidos de cidades distantes, melhor compreendia as outras cidades que havia atravessado para chegar até lá, e reconstituía as etapas de suas viagens,e aprendia a conhecer o porto de onde havia zarpado, e os lugares familiares de sua juventude, e os arredores de casa, e uma pracinha de Veneza que corria quando era criança.
Neste ponto, Kublai Khan o interrompia ou imaginava interrompê-lo ou Marco Polo imaginava ser interrompido com uma pergunta como:
- Você avança com a cabeça para trás? - ou então: - O que você vê está sempre às suas costas? - ou melhor: - A sua viagem só se dá no passado?
Tudo isso para que Marco Polo pudesse explicar ou imaginar explicar ou ser imaginado explicando ou finalmente conseguir explicar a si mesmo que aquilo que ele procurava estava diante de si, e, mesmo que se tratasse do passado, era um passado que mudava à medida que ele prosseguia a sua viagem, porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia que passa acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos.
Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça. Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.
- Você viaja para reviver o seu passado? - era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: - Você viaja para reencontrar o seu futuro?
E a resposta de Marco:
- Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá."
Ítalo Calvino - Cidades Invisíveis
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“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver."
Amyr Klink - Mar sem fim
Esse eu li por inteiro. Maravilhoso! _________________________________________________________________________________
“Planava sobre nós uma espécie de vento, de som inaudível que nos dizia mais ou menos isto:
há um tempo para aprender,
um tempo para ignorar e outro para saber;
um tempo para compreender e outro para lembrar”.
Augusto Roa Bastos - Contra a Vida. 
Esse também eu li por inteiro, acho. Se me não engano.

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Confiscado! Sujeito a adições.
O próximo será de textos de blogs... prevejo imensidão.



quinta-feira, 17 de março de 2016

não quero coroa de flores

Hoje esse pensamento voltou na minha cabeça. E vou ser radical.
Quer coisa mais inútil que coroa de flores em velório? Com todo respeito e consideração... Mas porque não dar tudo isso de flor para a pessoa enquanto ela está viva?
Pensa que coisa mais linda! Pensa como a pessoa ficaria feliz.
Não quer dar uma coroa? Ok, é meio mórbido. Dá sua presença então! Dá uma flor por dia. Então teremos flores para o ano todo.

Coroas representam nossa culpa pelo que não fizemos.
Pelo amor que não demos, pelos dias em que faltou tempo, pelos dias em que faltou coragem.
Porque vamos combinar, viver dá um medo danado não dá? E a coragem? Como diz a coruja desse outro post: se der medo, finge que tem coragem e vai com medo mesmo!  Que coincidentemente foi escrito nesta mesma época, 1 ano atrás.
Que sincronia não?
Por falar em sincronicidade. Fim de semana que passou encontrei minha turma da faculdade depois de 10 anos de formados. Um dos colegas, no meio das conversas, ia e vinha com uma história de guerra. Cada um contando como estavam as coisas e ele dizia: "Mas vejam gente, e se você tivesse que ir para a guerra amanhã? Podia ser pior né? Se tivesse que lutar lá na frente. Então tá tudo bem!"
Brincamos com ele sobre essa história. Mas me chamou muita atenção o seu pensamento simples e efetivo. E então? Se eu tivesse que ir para a guerra amanhã?

Voltando à morte, pensar sobre ela pode ser bastante produtivo. De várias formas.
Uma delas é a sua iminência como catalizadora de mudanças.
Steve Jobs diz isso de maneira bem didática aqui, no tal vídeo do discurso em Stanford.
Já falei sobre catalizadores também. Substâncias que aceleram uma reação química, ou mudanças necessárias na nossa vida.
Por isso, para mim, coroa de flores, só se for para enfeitar minha cabeça, bem viva, bem alegre, bem romântica, bem feliz.
Foto: Link

No meu velório quero que toquem essa música.
E depois quero ser cremada. Desapego minha gente...
E aí de quem me aparecer com coroa de flores! Eu volto para assombrar, viu? :P
Acho, (veja bem, incerteza) que não tenho medo da morte. Tenho é medo de não viver.
Tenho medo de ver o tempo passar e não ter sentido a vida e todas as suas miríades.
E chega de escrever, tenho uma vida me esperando <3

segunda-feira, 14 de março de 2016

a mulher selvagem

"A arte é importante porque ela celebra as estações da alma, ou algum acontecimento trágico ou especial na trajetória da alma. A arte não é só para o indivíduo; não é só um marco da compreensão do próprio indivíduo. Ela é também um mapa para aqueles que virão depois de nós."
Clarisse  Pinkola Estés - Mulheres que correm com os lobos. Pág. 29
Escrever é uma das minhas formas de arte, é o meu marco da auto-compreensão. O mais complexo, pois traduzir sentimentos em palavras nunca foi tarefa fácil para mim. Mas é necessária.

Hoje comecei a ler este livro. Havia dado ele para minha mãe em 2001. Um amigo me falou dele no começo deste ano. E mês passado o livro chegou até mim numa caixa de livros para libertar no book crossing. Chegou a hora, pensei. Mas ainda não. Levou um tempinho. O tempo de me cansar das coisas como elas estão e partir de novo em busca. Até fiz um paralelo com as colchonilhas que estão na minha flor.
Eu vinha ao longo do tempo tirando as colchonilhas quase todos os dias. Pegava uma por uma e tirava da flor. Já tem mais de uma semana que não faço isso e minha flor está sentida. Colchonilhas são devastadoras!  O mais fácil seria eu deixar pra lá e depois arrumar outra flor. Mas pensei em situações da minha vida em que senti as minúsculas colchonilhas atacando e não fiz nada. E pensei no que aconteceu depois. Então hoje decidi que começaria a ler o livro.

 Ainda estou no primeiro capítulo, mas a mulher selvagem já me dominou. Já me identifiquei. Já entendi parte da minha busca.
"O arquétipo da Mulher Selvagem envolve o ser alfa matrilinear. Há ocasiões em que vivenciamos sua presença, mesmo que transitoriamente, e ficamos loucas de vontade de continuar. Para algumas mulheres, essa revitalizante "prova da natureza" ocorre durante a gravidez, durante a amamentação, durante o milagre das mudanças que surgem à medida que se educa um filho, durante os cuidados que dispensamos a um relacionamento amoroso, os mesmos que dispensaríamos a um jardim muito querido. " Pág. 19 e 20. 
Sincronicidade.
Não sou atípica, não sou maluca. Sou uma mulher selvagem.
Demorou para perceber. Era tão óbvio. Na verdade, percebi na hora certa. Na hora que estou preparada emocionalmente para acolher, entender, e viver com essa mulher selvagem que existe em mim.
Porque até agora, eu a sentia, mas não a reconhecia.
"Quando são cortados os vínculos de uma mulher com sua fonte de origem, ela fica esterelizada, e seus instintos e ciclos naturais são perdidos, em virtude de uma subordinação à cultura, ao intelecto, ou ao ego - dela própria ou de outros." Pág. 23
Já me senti esterelizada, completamente perdida de mim. Sentia a minha incapacidade de me encaixar no padrão, de ser submissa. Eu questiono, ou como me ajuda nessa tradução, Florbela Espanca:
“O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma … que tem saudade…sei lá de quê!” Florbela Espanca 
Mas nem sempre me aceitei assim. Era tanta subjetividade que nunca dei conta de mim completamente. Alguns anos de terapia e as coisas ficaram mais "fáceis".  Mas ao mesmo tempo é fácil se perder de si.
"Uma mulher saudável assemelha-se muito a um lobo; robusta, plena, com grande força vital, que dá a vida, que tem consciência do seu território, engenhosa, leal, que gosta de perambular, Entretanto, a separação da natureza selvagem faz com que a personalidade da mulher se torne mesquinha, parca, fantasmagórica, espectral. Não fomos feitas para ser franzinas, de cabelos frágeis, incapazes de saltar, de perseguir, de parir, de criar uma vida. Quando as vidas das mulheres estão em estase, tédio, já está na hora de a mulher selvática aflorar. Chegou a hora da função criadora da psique fertilizar a aridez. " Pág. 26
Já me senti separada da minha natureza selvagem. E hoje consigo perceber que foi a mulher selvagem que me resgatou. Me trouxe novamente a vida, me lembrou do quanto gosto de perambular. Me mostrou que me sentir incapaz de parir era uma parte do processo. E que é preciso ter fé, pois quando chega a hora certa, a mulher selvática aflora. Porque não dá para esconder nossa essência para sempre.
Isso é um processo extramente individual. Mas só foi possível para mim pelos pais selvagens que tenho. Não tenho só uma mãe-mulher selvagem. Tenho também um pai-homem selvagem. Esse exemplo de união selvagem, tão profunda e significativa, que me moldou desde o princípio. Como não sentir gratidão diante dessa experiência sagrada?
Mas para atingir a plenitude, é preciso antes curar-se. Hoje é a mulher selvagem que me promete essa cura.
Que eu possa apreendê-la, interiorizá-la, essa será minha prece.
"Cada uma de nós recebe uma célula refulgente que contém todos os instintos e conhecimentos necessários para nossa vida." Pág. 27
 Que todas as pessoas possam identificar essa célula sagrada!